André Bueno

CONTATOS IMEDIATOS NO ‘3º GRAU’:
HISTÓRIA ANTIGA E OS PROBLEMAS EM SEU ENSINO UNIVERSITÁRIO E ESCOLAR
André Bueno
UERJ


Klaatu Barada Nikto!
[do filme ‘O Dia em que a Terra parou’, 1951]

Cenário: Um disco voador desce no Egito antigo, milênios atrás. Sem qualquer razão conhecida, o alienígena desce e constrói as pirâmides – mais especificamente, Quéops, Quéfren e Miquerinos. Depois, ele vai embora e desaparece, nunca mais entrando em contato com a Humanidade. E terá sido mesmo um extraterrestre, ou poderia ser alguém do continente perdido de Atlântida?

Tais perguntas alimentam as especulações da maior parte dos episódios que as pessoas assistem no programa ‘Alienígenas do Passado’, do canal History Channel. É notável que tanta desinformação continue a reinar no imaginário social. Nenhum dos especialistas é historiador, mas falam o tempo todo de história. Nenhum deles entende de hieróglifos, de história egípcia, nem mesmo deu uma rápida olhada em qualquer texto egípcio, senão em traduções vulgares. Igualmente, não entendem também de Engenharia, nem de Física; nem ao menos conhecem teorias básicas da História da Arte, que podem facilmente explicar os sistemas simbólicos da Antiguidade. Enfim, há que se perguntar no que são especialistas; mas o questionamento mais sério, a meu ver, é porque as pessoas têm dificuldade em refutá-los, porque as pessoas ainda lhes dão ouvidos. Pior: o senso comum do público em geral conta com a ‘vantagem’ do desconhecimento, da educação deficiente, da ignorância sobre as leis mais básicas da ciência. Mas muitos professores, das mais diversas áreas, não sabem, e nem conseguem [ou, nem se preocupam!] em modificar tais equívocos. Há uma leniência absoluta com o engano, cúmplice da falta de estudo, e da preguiça com a atualização no conhecimento científico.

Pois bem, vamos à desconstrução desse cenário. Só posso, a princípio, falar como historiador; mas, por meio de algumas poucas leituras selecionadas, sou capaz de encontrar respostas para algumas das ‘profundas dúvidas’ [e fui irônico aqui] que compõe a questão. Comecemos, pois, pelas pirâmides; quem estudar um pouco sobre arte e arquitetura egípcia saberá que elas são o resultado de séculos de experiência na construção de modelos piramidais cada vez mais aperfeiçoados [e com direito, claro, a muitos erros]. A pirâmide de Sacara, construída por Imhotep [2655-2600 a.C. - sim, o arquiteto tinha nome, e era humano], foi construída num sistema simples de empilhamento. Gradualmente, materiais e estruturas foram sendo aprimoradas, desenvolvendo-se modelos maiores e mais complexos. Todavia, as pirâmides do Egito não se restringem a Quéops, Quéfren e Miquerinos. Existem milhares de pequenas pirâmides espalhadas pelo Egito e pelo Sudão [antigamente conhecido como Núbia]. Algumas são do tamanho de uma pequena casa. O corte das pedras, bem como seu transporte, foram feitos com técnicas primitivas, mas até hoje utilizadas, em qualquer pedreira espalhada pelo mundo. Mas pergunto: quem já foi a uma pedreira saber como se cortam pedras com martelos e cravos?

Quanto aos discos voadores, o que se há pra dizer? Pelo visto, os antigos não deveriam ter imaginação nenhuma. Eles não seriam capazes de conceber seus deuses, religiões, histórias, suas mitologias. Tratar-se-ia, em tudo, de aparições de seres extraterrestres, disfarçados de divindades. Mas isso não explica como os gregos construíram o Partenon, em Atenas, sem ajuda deles; como os romanos fizeram seus templos, aquedutos e palácios, ou ainda, como os chineses fizeram a Muralha da China. Obras tecnicamente tão difíceis quanto as pirâmides teriam sido feitas sem intervenção alienígena! Vitrúvio [séc. 1 a.C.], o renomado arquiteto romano, nos legou um razoável conhecimento técnico sobre construção, que nos explica como muito disso tudo surgiu, simplesmente, da mente humana. Curiosamente, a farra dos discos voadores parece ter arrefecido depois do surgimento do Cristianismo. Não se falou mais deles. E, sem qualquer ajuda externa, o homem medieval – sim, aquele que muitos chamam de bruto, inculto e ignorante – construiu seus castelos em pedra, em cima dos morros e montanhas, sem ajuda dos alienígenas.

E podem se separar os Deuses e os mitos das técnicas? Onde fica então o mito de Atlântida [esse ‘estepe’ à hipótese extraterrestre, quando ela falha]? Platão comentou sobre ele em seu livro Timeu; quiçá isso torna real, igualmente, a lenda dos hermafroditas, ou das raças de bronze, ferro e ouro, que ele colocava na boca de Sócrates? Mas foi o historiador Vernant, que cedendo algo de seu precioso tempo, explicou-nos em seu agradável livro ‘Atlântida – Pequena História de um Mito’ [São Paulo: Edunesp, 2008] um pouco da história do Mito de Atlântida, e de seu uso, como discurso, ao longo dos séculos.

Há pouco tempo atrás, inclusive, circulou uma reportagem pela Rede sobre um grupo de pesquisadores holandeses que teriam decifrado o enigma da construção das pirâmides [ver ligações eletrônicas no final do texto]. Bem, historiadores especializados em História Antiga já sabiam sobre essas técnicas há décadas [eu mesmo as vi na Graduação]. Existem ligeiras divergências sobre a possibilidade de existirem técnicas diversas na engenharia arquitetônica egípcia, mas nada que anule uma a outra.

A pergunta que faço é: como, então, chegamos a esse ponto? É claro, ter que ler alguns livros, e abrir a cabeça para idéias vindas de outras áreas, parece ser um fardo para a maior parte das pessoas. Mas aceitar a vinda de alienígenas é tão simples assim? Essa pode ser considerada uma hipótese plausível, tendo em vista as imensas dificuldades que se tem de comprovar qualquer uma dessas aparições? Devemos ter em mente, portanto, que há um encanto com esse desconhecido, essa visão alternativa que representa a teoria do passado alienígena. Tal encanto, se não for superado na época da juventude, torna-se hábito ou crença. No momento que escrevo [18/02], vejo na Rede [veja as referências no fim desse texto], igualmente, o 1º Encontro de Ufologia Avançada do Paraná, em Curitiba, nos dias 13 a 15/03 de 2015. David Heatcher, estrela do programa ‘Alienígenas do Passado’, do History Channel, estará lá; pesquisadores da ‘História Secreta’ dos alienígenas no passado, também. Nenhum deles tem formação em História, até onde eu saiba; a maior parte do público, igualmente, também não o tem. Então, onde foi que os professores de História falharam, para que a versão desses autores fosse mais interessante que aquela ensinada na escola? É inevitável que pensemos, assim, no que estamos fazendo, como profissionais de Ensino.

História Antiga, essa injustiçada
Há pessoas que realmente acreditam que não precisamos de História Antiga ou Medieval. Afinal, somos o Brasil, um país que não viveu ‘nessa época’. Essa estreiteza de visão mostra muito da ampla ignorância de seus autores. Não se estuda o Mundo Antigo apenas pela sua beleza - embora eu creia, particularmente, que a empatia por um determinado período histórico é que faz com que nos aprofundemos mais nele. Afinal, na faculdade de História, escolhemos como tema de estudo de nossas monografias, e de nossos planos de aula de estágio, o que mais nos apetece... Porém, não se trata disso. A História Antiga trata dos fundamentos da civilização humana. Deixe-me contar duas situações rápidas aqui, passadas em estágios de Ensino de História. Na primeira, a estagiária iria dar aula de história romana, e perguntou se os alunos sabiam de onde vinha, e o que era, a República. Após um certo silêncio, alguém respondeu: ‘Com o Marechal Deodoro, em 1889’. Não houve nem a tradicional chacota dos colegas, posto que todos concordaram. Na segunda situação, outra estagiária questionava a turma sobre o que eles sabiam sobre Idade Média. O único audaz, que se propôs a encarar o desafio, respondeu que existia ‘A infância e adolescência, a Idade Média e a Terceira Idade’. Eu poderia incluir, aqui, o aluno que perguntou se Carlos Magno era parente de Alexandre Magno, mas creio que o leitor já entendeu onde quero chegar. Por esses poucos exemplos, não é difícil constatar que o desconhecimento é amplo, a formação em História está péssima.
  
Mesmo sendo uma disciplina obrigatória, a História está sendo mal lecionada – e a História Antiga, especificamente, tem sofrido muito com isso. Não é raro, em várias escolas, que se distribua História Antiga como tarefa para iniciantes, como punição ou trabalho árduo e chato. Bem, se muitos profissionais de História já acham a área entediante, que sentimento eles podem transmitir aos alunos? Obviamente, que o seu desconhecimento [e desconexão] com a História Antiga data de seus cursos de Graduação, no qual alguns docentes pregam a importância fundamental de certas causas – em geral, suas próprias causas – no estudo da História. Ingênuos, preguiçosos ou oportunistas, muitos alunos se deixam levar por essa ultra-especialização, que pouco se aprofunda de fato, e se torna um discurso superficial de auto-afirmação acadêmica. Note-se, aqui, que não sou contra, de forma alguma, com alguém especializar-se em algo: mas, quando esse alguém domina os instrumentos da pesquisa, ele será capaz de estudar mais seriamente, buscar as fontes, estabelecer as conexões, elaborar aulas, enfim, de conceber uma visão histórica mais ampla. Se chamado a lecionar sobre qualquer fase histórica, ele será capaz de pesquisar, de construir conteúdos adequados e métodos atraentes para o bom funcionamento de seu curso. Isso só não ocorre em dois momentos: ou quando a turma tem sérios e reais problemas de disciplina e envolvimento ou, via de regra, quando o docente está absolutamente desinteressado de estudar qualquer coisa que esteja além de seus interesses particulares. Nesse caso, ele não ‘perderá seu tempo’ lendo o que não seja de sua alçada para realizar a ‘tarefa menor’ de lecionar. Ele repetirá automaticamente o conteúdo dos problemáticos livros didáticos de que hoje dispomos, alegando diretrizes curriculares maiores que ‘o dirigem’.

Esse amplo quadro de insensatez conecta-se, diretamente, com a questão do ensino. Desprovidos de qualquer conhecimento maior sobre História Antiga, e alheios a métodos de pesquisa que sejam atraentes, os alunos – desde a escola, passando pela Graduação universitária – caem na vil armadilha do comodismo imediatista, atrelando-se a conteúdos e expedientes que limitam seus pontos de vista. Tornam-se repetidores da insuportável cantilena da sistematização histórica, superficialmente estruturalista, que determina o trágico destino fatal das antigas civilizações antigas: ‘Mesopotâmia, inventora da Escrita e das Leis; Egito, das Pirâmides e Múmias; Israel, da Religião; Fenícios, do Comércio e do Alfabeto; Gregos, da Filosofia; Romanos, do Império...’. Esse tipo de apresentação, fatalmente, leva os alunos das escolas ao desencanto com os antigos. Ele só ressurge em momentos esporádicos, movidos por filmes como ‘300’ [2007] ou ‘Thor’[2011]. Não causava espanto ao público, por exemplo, que o seriado ‘Hércules’, de alguns anos atrás, exibisse o personagem principal em calças jeans, num total anacronismo. Gostaria de ilustrar novamente esse problema com outra historieta, essa passada comigo. Eu fui assistir o filme ‘Gladiador’ no cinema, em sua época de lançamento, logo na primeira semana de exibição. Eu sou fã assumido dos filmes épicos da década de 50, e a aparição desse filme me interessava sobremaneira. Eu me perguntava: o que as pessoas querem ver nesse filme? O que elas buscam? A maior parte delas mal conhece esse período histórico... e as antenas do pesquisador se ligaram no público ao redor. Desde o início, constatei que a aventura, a violência e a pancadaria davam o tom da assistência. ‘Gladiador’ estava sendo visto como um filme de artes marciais, muito mais no âmbito dos filmes de Jean Claude Van-Damme do que, propriamente, de Charlton Heston. Por fim, ao sair do cinema, ouço a conversa de um casal, atrás de mim, em que a moça declarava: ‘eu até gostei do filme, apesar de ser meio violento’, ao que o seu companheiro respondeu: ‘achei uma porcaria, viu que não aconteceu nem um tiro sequer?’ 

Por isso, não é de se estranhar que essa desconexão com um sentido histórico de passado promova, indiretamente, a difusão de teorias alienígenas. O passado parece distante demais para a maior parte das pessoas, e permanece, de certa forma, inexplicável. Por essa razão, as teorias mais absurdas, mas carregadas de empatia, de mistério, de oculto, atraem entusiasticamente aqueles cujo conhecimento carece de possibilidades mais amplas. Elas atuam em um nível mental que lhes é mais familiar – o mítico – que não exige respostas coerentes, racionais ou mais aprofundadas, senão o domínio de uma lógica que é aquela própria proposta pelo mito. Vendo assim, faz todo sentido, então substituir os antigos deuses das mitologias pelos extraterrestres; trata-se, tão somente, de uma substituição de sistemas mitológicos, que cumprem a função de suprir explicações para o que é aparentemente ‘inexplicável’.

Vemos, por fim, a falta que um conhecimento histórico mais aprofundado causa. Nesse ponto, a História Antiga torna-se um ponto fundamental de inflexão, tendo em vista que ela trabalha com três níveis fundamentais para a construção do conhecimento histórico: a) a origem da civilização humana, em seus conceitos fundadores, quer sejam o pensamento, a religiosidade ou a política, etc.; b) o uso amplo de uma postura interdisciplinar, na pesquisa, que envolve os mais diversos campos de conhecimento científico, a fim de construir hipóteses mais sólidas; c) uma preocupação contínua com os métodos e técnicas de ensino dessa fase histórica, posta a fragmentação de suas fontes, o distanciamento temporal, e a projeção que sobre ela é feita a partir de teorias contemporâneas, sejam estas religiosas, políticas ou mesmo, extraterrestres e fantásticas.

Se desejamos, portanto, desconstruir preconceitos, concepções equivocadas e restritivas, teorias fantásticas ou místicas, precisamos recorrer aos antigos, mas de forma séria e centrada. Sem um ensino consistente, e consciente, de História Antiga, continuaremos a ser presas fáceis de teorias obtusas e fundamentalistas, que seguem promovendo a sua marcha de insensatez e violência sobre as pessoas comuns. O próprio Santo Agostinho já dizia que o Mal provinha da ignorância, e nada parece ser mais acertado; e a indefectível frase do Mestre Confúcio, o grande educador chinês, nos elucida: ‘estudar sem refletir é inútil; e refletir sem estudar é perigoso’. A frase tem mais de dois milênios de existência, mas infelizmente, permanece atual.

Para concluir: ‘Klaatu barada nikto’ é uma frase retirada do filme ‘O Dia em que a Terra parou’ [1951]. Klaatu, o alienígena, dá esse comando ao seu robô Gort, antes que ele destrua tudo ao seu redor. A frase não significa absolutamente nada, como a produção do filme re-inteirou várias vezes. Contudo, uma busca rápida pela Rede mostrará a quantidade enorme de pessoas que ainda buscam um sentido oculto nela. É o espírito de nossa época.

Referências
Sobre a notícia da construção das pirâmides [2014]:

Matérias sobre a construção de pirâmides [privilegiei, aqui, materiais de caráter didático, para evidenciar o desconhecimento do público sobre esse tipo de leitura mais acessível]:
http://projetoafricadetodosnos.blogspot.com.br/2011/09/contrucao-das-piramides.html
[Página simples, com conteúdos educativos relevantes e atraentes]
[Matéria da revista Mundo Estranho, n.70, cumprindo a função que deveria ser dos professores. Nesse número, vemos a fonte de vários textos e imagens que circulam pela rede]
[Excelente vídeo do grupo Nerdologia, feito de forma rápida, atraente e atual. Recurso didático imprescindível, com toques de humor e ironia]
[Documentário feito por Josh Bernstein que, vestido de Indiana Jones, entrevista Zahi Hawas e um especialista esotérico, acerca da construção das pirâmides. O debate é bastante elucidativo, ao mostrar todas as falhas do discurso fantástico. O History Channel, porém, dava os primeiros indícios do que seria depois a sua ‘metodologia histórica’]

MILLARD, Anne. O mais belo livro das pirâmides. São Paulo: Melhoramentos, 1996. [apresentação simples, didática e fartamente ilustrada sobre o tema]

Sobre o evento de Ufologia no Paraná:


PERGUNTAS

Caro professor André Bueno,

É inegável que o uso público da História pelo mass media forma mais que a ensinada na escola ou a que é produzida pela Ciência Histórica (essa última então fica guardada nos arquivos das universidades). Dessas três áreas do conhecimento histórico conforme entendem os alemães e nesse caso Jörn Rüsen, a que mais me preocupa é essa primeira. Esse uso público desenfreado da História, sem nenhuma preocupação científica, sem nem uma evidência, como produto enlatado que já vem pronto para ser consumido, tem feito estragos grandes na cognição dos nossos alunos. Muitos acreditam mais naquilo que é veiculado pela mídia do que o que é ensinado na escola. Meus alunos na graduação acreditavam que na Idade Média existiram dragões [Game of Thrones]... Quanto mais os deuses do Olimpo... A minha indagação é querer saber como proceder na educação básica para reverter esse quadro? Quais contribuições às pesquisas da Educação Histórica fornecem para compreensão e quem sabe solução dessa concorrência desleal da mídia com a sala de aula? Se não fizermos nada a respeito, onde vamos parar com esse ensino que não é capaz de mudar a realidade de nossos educandos?

Max Lanio Martins Pina

Caro Prof. Max, obrigado pelo seu questionamento importante.
Penso que a Mídia não é simplesmente uma ‘inimiga’; excelentes programas históricos podem ser feitos, tornando-se recursos importantes no processo educativo. O problema que enfrentamos é uma nova leva de programação, feita de modo irresponsável e sem uma pesquisa séria. Ela reforça equívocos, enganos e por fim, a ignorância nos consumidores de História. Mas vejamos: muitos desses leitores são bem intencionados, apenas mal-orientados. Seu conhecimento não é estruturado para analisar questões históricas mais densas. Isso ocorre, a meu ver, justamente nas falhas do ensino na Educação Básica. Quando os alunos perguntam se haviam dragões na Idade Média, ou como eram os Deuses do Olimpo, eu penso que eles estão justamente fazendo o papel deles de questionar, perguntar, inquirir. Que bom que eles viram a série e se interessaram por Idade Média! Que prazer é saber que eles assistiram Percy Jackson, Fúria de Titãns ou 300 e ficaram intrigados com os erros, acertos e visões da produção fílmica! Exatamente nessa hora, podemos ajudá-los a construir um conhecimento mais sério e crítico sobre essas épocas, suas culturas, enfim... Nesse momento é que o professor preparado auxilia os alunos a alcançarem o conhecimento. Porém... Quando os alunos saem da escola e vão se tornar adultos cheio de fantasias, temores fantásticos, superstições e falhas sérias de conhecimento, devemos então proceder a uma série análise de seu percurso educativo, que provavelmente nos revelará as possíveis ausências no seu saber histórico.


Gostaria de parabenizá-lo pelo ótimo texto. Mesmo nos anos iniciais da Licenciatura, percebo esta lacuna. Quais são as perdas que visualiza em perdermos o contato com esse eco do passado que influencia tanto o nosso modo de vida, deixando de estudar a causa-efeito históricos? Como atrair mentes tão cheias de informação para algo tão distante temporalmente? Obrigada,
Anna Paula Silveira

Cara Anna, obrigado por sua pergunta bastante importante. Como levar a História Antiga aos alunos? Creio que, de fato, não precisamos ir longe. Estamos imersos na História Antiga! Nossos sistemas políticos ainda se baseiam em ideias da antiguidade; nossas religiões são quase todas milenares; nossa arquitetura resgata ícones do passado pra representar poder; nossas filosofias e modos de pensar o mundo invocam suas heranças do passado... Enfim, para onde olharmos, podemos encontrar essa antiguidade. A questão é que devemos aperfeiçoar nossas habilidades em encontrar as ligações entre esse passado e o presente. Primeiramente, devemos nos preparar de forma adequada; ainda que não sejamos especialistas em História Antiga, devemos, ao menos, ter conhecimento de bons manuais para o ensino; depois, podemos recorrer a um bom planejamento, utilizando técnicas didáticas atraentes e instigantes. Historiadores costumam torcer o nariz para planejamentos didático-pedagógicos, e não gostam de sair da sua tradicional área de pesquisa – se soubessem o quanto perdem com isso! Se muita gente hoje em dia acha história uma chatice, isso se deve, em grande parte, aos profissionais que pensam que seus estudos são únicos, e não ensinam nada além disso. Pode parecer que o que estou dizendo é meio óbvio, mas como disse o sábio Confúcio: ‘Mestre é aquele que, por meio do antigo, revela o novo’. Ouvimos sempre que devemos planejar nossas aulas com cuidado – e se possível, com prazer; mas quem faz isso? São poucos os profissionais que se empolgam com suas próprias aulas; e muitos professores gostariam que seus alunos fossem um tipo de zumbi, que ficasse quieto o tempo todo, nada dissesse, e ainda o aplaudisse no final da aula. Pra eles, Disco Voador!!!

Mas então, não é possível acreditar em vida extraterrestre? A Terra é o único planeta habitado do Universo?
Lindomar Castilho

Caro Lindomar, não é exatamente de minha alçada discutir se existe vida extraterrestre. Particularmente, acho improvável que sejamos o único planeta habitado no Universo; mas, como cientista, temos que ter cuidado em não confundir a especulação com afirmações dogmáticas, feitas com bases frágeis e fragmentos históricos problemáticos. A questão, pois, é que o objetivo de meu texto é indicar que não estamos lendo nem fazendo história corretamente; as explicações para os grandes feitos da humanidade são fáceis de encontrar numa literatura histórica mais séria [e algumas indicações mais diretas são feitas aqui]. Assim, acreditar que Et’s foram construtores de pirâmides é simplesmente uma recusa em estudar bons livros. Mas tem mais: acreditar em Et’s no passado pode ser, inclusive, um traço de racismo em nossa consciência histórica. Afinal, você já reparou que os alienígenas só interferiram na África [Egito], Mesopotâmia, América antiga, Índia...? Já na Grécia, em Roma ou na Idade Média Européia, eles desapareceram, e as grandes construções desses povos foram feitas por eles mesmos, sem ajuda de um guindaste voador vindo da estrela Omeron.  Me preocupa muito pensar que admitamos que é mais fácil Et’s virem à Terra do que aceitar que povos não-ocidentais tinham consciência histórica, conhecimento científico, etc. Com esse tipo de raciocínio, muito pouco civilizado a meu ver, não é estranho imaginar ‘porque os Et’s não voltaram’...

Estudando a temática sobre cinema e história para monografia, percebi que hoje a questão vendagem é prioridade. Para isso não importa desconstruir a história, o lucro fala mais alto. E assim também funcionam diversos programas televisivos. Esses programas não poderiam ter uma espécie de controle de qualidade, digamos assim, não poderíamos nós profissionais da área reclamar por algo assim? Por Noeli Zettel


Cara Noeli, uma pergunta ótima. Poderíamos regular o que é vinculado por essas emissoras? Mas por outro lado, isso não seria censura? E quem regularia esses programas? Penso que a ideia dos lucros é real, mas só funciona porque o público está mal informado, veio de uma educação bastante falha. Proibir ou alterar tais programas poderia ajudar a controlar os efeitos, mas não as causas. Coibir esses materiais só aumentaria o interesse por eles, e atrairia ainda mais gente desinformada. Por fim, o controle de qualidade na liberdade de expressão é uma questão delicada, que envolve a constituição de uma autoridade reguladora, cujo poder decisório pode, ocasionalmente, deixar coisas boas de fora ou promover equívocos como se fossem boas coisas. Por outro lado, um bom programa televisivo de história costuma recorrer a consultores qualificados [historiadores, arqueólogos, etc] – o que inibe, por tabela, as afirmações estapafúrdias e sensacionalistas. Mas eu penso que a educação histórica mais séria, na raiz do ensino – isso é, no básico e no fundamental – por si só cria um controle de qualidade natural para esses [e para outros] tipo de programas. Com um bom ensino, esse tipo de ‘entretenimento’ fica desinteressante, fácil de desconstruir, já que o público se torna capaz de analisá-lo e ver suas falhas grotescas. 

25 comentários:

  1. Meu nome é Euclides Nunes Araujo e esse tipo de história me fascina.

    No livro 'Eram os deuses astronautas?' de Erich Von Daniken, autor que dedicou a vida a pesquisas pelo mundo todo, defende a existência de outros seres inteligentes no universo e propõe que extraterrestres tenham trazido grandes conhecimentos à Terra. A evidência disso estaria nos achados arqueológicos, monumentos antigos, mapas e outras marcas.
    Outro fato curioso é sobre os Moais da Ilha de Páscoa, que é uma das mais isoladas do mundo. Quem construiu aquelas estátuas gigantes? Dizem que ouve interferência extraterrestre.
    No site Mega Curioso tem oito fatos e teorias sobre essa ilha e recomendo a todos.

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    1. Oi Euclides,
      o problema do Daniken, justamente, são as 'evidências ' que ele apresenta. Um arqueólogo ou historiador bem formado sabe que ele faz afirmações equivocadas, fora de contexto, e com erros sérios de cronologia, de metodologia, enfim... pra acreditar nele, tem que ter fé. =) Mas sugiro a leitura de dois outros textos meus pra aprofundar um pouco mais a questão. veja aqui:
      http://sinografia.blogspot.com.br/2014/09/a-volta-dos-discos-voadores-e-o-ensino.html
      e
      http://sinografia.blogspot.com.br/2014/01/historia-e-realismo-fantastico-uma.html
      abraço!

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    2. Li as matérias dois links que você sugeriu e gostei muito, pois serviu para aprofundar nesse tema que é muito polêmico entre ciência e religião, que é a existência de vida extraterrestre.
      Os temas são muito bons para discutirmos não só durante a aula de história, mas também no dia a dia com pessoas que se interessam pelo assunto.

      Abraço!

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  2. Sabendo-se que a maioria dos alunos não se interessa por História Antiga, pois se encontra longe de sua realidade, mediante essa afirmação:
    Quais metodologias podem trabalhar no Ensino Fundamental, tornando-as atraentes aos alunos?

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    1. Cara Edna;
      não creio que haja um método específico, pois cada turma é um universo em si. mas sei que existem duas coisas importantes: um, é a atitude de queremos fazer o melhor. Isso nos leva a buscar os melhores expedientes, mais adequados, mais atraentes, tentando construir um diálogo fértil com os alunos. O segundo item é conjugar os mitos do passado, sim, mas com a ciência. Não podemos deixar que acreditem que os antigos eram apenas religiosos, ou, que tudo tem uma explicação que escapa deles. Temos que ser criativos, deixar que o aluno se relacione livremente com a cultura dessas eras, e paulatinamente, discutir cada uma das questões que vão surgindo à luz das ciências históricas - o que demanda qualificação de nossa parte. =)
      grande abraço!

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  3. Gostaria de saber se o autor concorda que a perspectiva ocidentalista que norteia a formação dos professores de história é responsável pela abordagem equivocada das sociedades antigas no ensino universitário e escolar.

    Parabenizo-o pelo contundente texto.

    Marcio Nicolau

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    1. Caro Marcio;
      sim e não. somos ocidentais, de certo modo, e isso molda nossa forma de olhar o mundo. porém, é ocidental também a ideia de que devemos olhar para todas as partes do mundo [ainda que ela seja recente]. Estamos em vias de mudar tudo isso, mas precisamos manter a mente aberta pra novas ideias - desde que bem embasadas, é claro.
      grande abraço!

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  4. Caro professor Andre Bueno,

    Primeiramente queria lhe parabenizar pelo excelente artigo e pelas ótimas listagens de textos na referência bibliográfica. O distanciamento existente entre o professor universitário e o professor do ensino fundamental e médio e as lacunas no ensino é meramente percebida quando tratamos de assuntos referentes a forma de ensinar, pois, grande maioria dos professores universitários ensinam o "assunto pelo assunto" ou seja, não enfatizam como aquele assunto poderá ser levado para a sala de aula e por conta disso se tem a deficiência no ensino. Sendo assim, essa falta de estrutura para com o ensino de história antiga não seria uma deficiência já vinda também do ensino superior e não apenas uma falta de interesse ou de pesquisa do professor? Obrigada,
    Allana Letticia dos Santos

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    1. Cara Allana,
      percepção sutil de sua parte, e muito acertada! Sim, já vem de lá. digo mais: vem desde a escola, que vai deixando seus furos...daí, chega-se na faculdade, e aprimoramos esses erros, ao invés de consertá-los. e muitos, ao perceberem a dimensão de seus equívocos e ausências, resolve simplesmente optar pelo mais fácil - repetir os erros, e manter o ciclo vicioso. Por isso, precisamos um pouquinho [mas de montão!] de atitude, coragem e envolvimento para sacudir essa pasmaceira intelectual que se instalou no ensino. sem isso... Os disco voltam. =)
      grande abraço!

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  5. Bruna Soares Kotres12 de maio de 2015 às 12:26

    Mesmo no primeiro ano da licenciatura em história, percebo a grande diferença entre o ensino médio e o universitário. Quais meios poderiam ser utilizados para aproximar o método de estudo do ensino médio e a graduação no ensino da história?

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    1. Cara Bruna;
      muitos 'intelectuais' menosprezam a licenciatura, e dizem que o ensino é algo 'menor'; isso só acontece justamente pela manutenção da ignorância alheia, que promove o 'sábio historiador' de nossa cultura. mas pra quem realmente se preocupa com a formação escolar e universitária, e podemos mesmo dizer, humana, já percebemos que esse link está no estágio. a prática do estágio escolar é o momento fulcral, em que o futuro professor começa a desenvolver as habilidades de sintetizar, escrever, viabilizar a troca de conhecimento. uma prática de estágio bem direcionada e acompanhada traz essa lucidez e experiência que precisamos. =)
      grande abraço!

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  6. André, você não acha que a maior parte dos espectadores destes programas o assistem como quem assiste Chaves ou aqueles filmes de terror B? A tosquice os torna engraçados. E é só isso. Não sei se alguém dá muito valor para esse tipo de programa. Por outro lado, um canal que se auto intitula o canal da História veicular esse tipo de programa é uma estupidez. Daí sim acredito que tenhamos um problema. Se fosse "o canal esquisito" estaria tudo bem...
    ps. Na saída de "Coração Valente", vi um menininho (perto dos seus 8 anos) gritando "Ele morre no final, ele morre no final!!!" e achei tão legal quanto o tiro no Gladiador.

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    1. KKKKKKKK!
      Scama, essa foi ótima! [a do garotinho do cinema]. ele sim, é uma lenda que se tornou real. kkkk ademais, a preocupação é justamente com a grande quantidade de pessoas que NÃO vê esses programas como filme B. o evento citado, em curitiba, foi algo 'sério', que recebeu investimento, custou caro e ficou cheio. pena é que, mais uma vez, os atores principais do evento - os Et's - não apareceram. no dia que a terra ia parar... o que parou só foi o trânsito as 18hs, rsss
      grande abraço!

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  7. São muito importantes as considerações apontadas, quando o autor faz referência a banalização dos acontecimentos históricos passados erroneamente em episódios que as pessoas assistem como por exemplo, no programa ‘Alienígenas do Passado’, isto gera uma grande preocupação por quem realmente entende de história. Sendo assim, considera-se necessário que os educadores usem tais episódios para fazer um paralelo, a fim de mostrarem aos educandos a verdadeira história, levando-os a saírem do senso comum para o senso crítico. A questão é, por que nem todos fazem isso, seria comodismo ou falta de informação? E os livros didáticos, trazem informações e questionamentos sobre isso?

    ELIANE CÂNDIDO

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    1. Oi Eliane!
      pra mim, ambos: falta de informação e comodismo, já que um leva ao outro. quanto aos livros didáticos, idem: eles estão chatos, secos, e quase nada falam de arte, do pensar, das crenças antigas... mas práticas improvisadas, porém criativas, em sala de aula, podem suprir essa ausência!
      obrigado! =)

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  8. O texto “Contatos Imediatos no ‘3º Grau’: História Antiga e os Problemas em seu Ensino Universitário e Escolar”, nos leva a refletir sobre o ensino de História, principalmente no que se refere à História Antiga, em que observamos um estudo raso, impossibilitando deste modo a apropriação de tais conhecimentos. Mediante estas considerações, que postura o professor de história deve tomar para mudar esse cenário? Que estratégias deve adotar para motivar os alunos a apreciarem essa parte da história?

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    1. Oi Rosilene!
      Comentei isso com a bruna, um pouco antes. dê uma olhada. ;))
      obrigado!!

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  9. Na realidade de hoje,em questão aos estudos, se o professor comentar sobre alienigenas em sua aula ele terá mais atenção do que se comentar sobre a história antiga, isto acho em qualquer canto do mundo. será que através de algum estudo teria como melhorar o interesse dos alunos pela historia antiga, querendo ou não são as nossas verdadeiras raízes

    Gilmar da Silva Lima.

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    1. oi Gilmar...
      temos tanta coisa pra usar...mitologias, as batalhas, os pensadores, ou a série 'construindo impérios', temos muito material pra chamar a atenção deles. só precisamos pesquisar e querer usar! =)
      obrigado!

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  10. A civilização humana tem sido um complexo de evoluções, conflitos e contradições sociais que refletem as lutas pelo poder. Quanto ao Egito antigo marcado pela grandiosidade das pirâmides, mumificações e desigualdades sociais extremas, como teriam sido as escolhas/ imposições dos primeiros faraós?

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    1. Oi Laura!
      que tal olharmos alguns bons manuais pra sabermos disso? o livro Egito Antigo, de Paul Johnson, nos dá um quadro bem bacana sobre isso. =)
      obrigado!

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  11. Não caberia à disciplina de história, apresentar aos alunos, oportunidades de analisar produções artísticas, identificando nelas o que é factível e ficção, como forma de estudar história antiga?

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  12. Boa noite, professor André Bueno.

    Primeiramente, gostaria de parabenizá-lo pelo texto. Fiquei muito contente ao ver tal assunto sendo discutido aqui no evento. Geralmente me sinto muito solitária ao frequentar eventos acadêmicos - de ensino de história ou até de História Antiga -, pois não encontro pares para tratar do assunto. Sou bolsista de Iniciação Científica de um projeto de Educação Patrimonial e nós focalizamos o acervo do Museu Nacional. Peço licença para postagem do link: educacaomuseal.wix.com/lhia
    Mas enfim, perdoe-me pela breve descrição pessoal, mas queria demonstrar o meu lugar de fala.
    A minha pergunta é seguinte:
    Sabendo que o ensino universitário de História Antiga está extremamente desfalcado - sumindo cada vez mais dos currículos ou restrito a Antiguidade Clássica -, quais as ferramentas possíveis que a academia pode dispor para possibilitar aos professores - em formação e formados - uma melhor apropriação desses conteúdos?

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    1. Cara Beatriz, que surpresa boa!
      Fiz minha graduação na UFRJ - onde me apaixonei por antiga! -, e gostei muito do projeto de vocês! Fico feliz de saber que Antiga frutifica, tendo por manancial o Lhia. =)
      Olha, o próprio projeto em que você participa é uma das respostas. Muita gente faz cara feia pra expedientes didáticos e pedagógicos atraentes. De fato, o 'intelectual' brasileiro médio ainda age daquela velha maneira: ele fala, os outros escutam; ele pergunta, as pessoas respondem; ele cala, e todos aprendem. Ora, sabemos que isso não dá certo; e que o envolvimento com o aprendizado e com o saber é o melhor caminho mesmo para despertar atenção, atrair as pessoas para o conhecimento. Assim sendo, usar filmes, games, fazer teatros, usar a música [e acho que devíamos ter cursos sobre isso na faculdade!], estabelecer links com a contemporaneidade, enfim, tudo isso é super válido e absolutamente atual. Temos que vencer esse ranço da sisudez, do distanciamento do aluno, e de achar, finalmente, que quem pesquisa não ensina e vice-versa. Um alimenta o outro, e a prática nos revela isso. E nas práticas que estamos a desenvolver - ou seja, o laboratório da vida em sala de aula - que vamos criar os melhores meios pra alcançar os alunos, seja de qualquer nível.
      Muito sucesso pra você! =)
      obrigado!

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