Brayan Ávila

OS JOVENS DO ENSINO MÉDIO DE LONDRINA-PR E SUAS IDEIAS SOBRE A DITADURA MILITAR BRASILEIRA (1964-1985)

Brayan Lee Thompson Ávila

UEL

Introdução

Mesmo após 30 anos de democracia no Brasil, a Ditadura Militar Brasileira ainda tem um forte impacto em nossa sociedade. De um lado podemos observar que ainda há setores da sociedade que veem com bons olhos uma intervenção militar ou tentam relativizar os impactos da Ditadura Militar na nossa história, do outro lado, este passado se torna presente com a eleição para presidente da República Brasileira de uma presa e torturada, pelo fim das comemorações do 31 de Março e finalmente pela instalação dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, investigando as violações dos direitos humanos neste período.

Partindo do papel que este tema tem na nossa sociedade, nos vem a questão de como os jovens têm sido inseridos nesse contexto e a influência deste em suas ideias. Além disso, partimos do entendimento que o ensino de história não ocorre tão somente na sala de aula, mas em outros ambientes sociais. A relevância das pesquisas sobre a Ditadura Militar Brasileira é ressaltada por CASTEX (2008) que diz:

Vale lembrar que os acontecimentos da história nacional chegam aos jovens por diversas vias além da escola, como relatos familiares e de sujeitos com os quais eles convivem, bem como pela mídia que frequentemente edita reportagens sobre as temáticas. Nesse sentido, o tema da Ditadura Militar Brasileira tem sido mostrado inclusive em novelas e minisséries da tevê. Assim, é importante estabelecer como os jovens interagem com as informações dos conteúdos escolares que tratam da Ditadura Militar Brasileira, período histórico distante daquele em que vivem, pois o ensino de determinados temas da história nacional pode suscitar sentimentos de adesão ou antagonismo nesse grupo, considerando-se as relações que eles estabelecem a partir da memória coletiva. (CASTEX, 2008, p.84).

Portanto, o presente trabalho tem a seguintes problemáticas: quais são as ideias que os jovens de dois Colégios estaduais de Londrina têm sobre a Ditadura Militar Brasileira? Optamos por trabalhar com alunos do Ensino Médio devido ao fato de que estes já tiveram contato com o conteúdo substantivo Ditadura Militar Brasileira nos anos finais do Ensino Fundamental. A escolha das escolas deu-se por um motivo importante: a abertura que estas escolas têm ao trabalho das licenciaturas da UEL, já que estas costumam receber estagiários e/ou possuírem projetos do PIBID da mesma universidade.

Referencial Teórico

Adotamos como metodologia de trabalho a Investigação Qualitativa por que ela atende uma série de anseios que estão no centro das questões deste trabalho, como, por exemplo, se elaboram as narrativas dos alunos e quais as ideias são mais recorrentes quando os jovens dos ensino médio tem quando se deparam com o tema Ditadura Militar Brasileira (1964-1985). Segundo LESSARD-HÉBERT; GOYETTE e BOUTIN (2012), A expressão metodologia qualitativa abarca um conjunto de abordagens as quais, significando tanto os tipos de dados que este tipo de investigação produz e osmodos de proceder ou postulados que lhes estão associados, tendo os sujeitos pesquisados e a realidade que permeia estes um papel central, cabendo ao pesquisador decifrar o significado da ação humana, e não apenas descrever os comportamentos. É na metodologia qualitativa que é mais forte as preocupações sobre os significados em que os sujeitos pesquisados elaboram e de que maneira estes significados são construídos, preocupações de primeira ordem deste trabalho.(LESSARD-HÉBERT; GOYETTE e BOUTIN, 2012, p.140)

Em relação às falas dos alunos ao serem questionados sobre o que foi a Ditadura Militar Brasileira, entendemos ela a partir das concepções de RÜSEN sobre narrativa e narrativa histórica, para o autor narrar é uma conquista cultural vital, sendo uma linguagem elementar e geral da nossa vivência no tempo (2012, p.38), e o fato de contar histórias é criar significados e experiências temporais, tornando-se assim um fenômeno elementar e geral da vida cultural, que define o homem como espécie (2012, p.39)

Uma questão importante desta concepção de RÜSEN para o nosso trabalho é a questão da memória que estes alunos trazem de fora de escola, de outros espaços de convivência social como as suas famílias, religiões, meios de comunicações, etc, e como esta memória é utilizada no presente como uma forma de orientação no presente e de ação no futuro:

A narrativa está ligada a memória; a memória de sua experiência apresenta a variação temporal do homem e seu mundo no passado [...] Por meio da narrativa, a experiência do passado é interpretada como que indicando que no presente, as mudanças experenciadas ao longo do tempo são entendidas e espera-se, no futuro, a formação de uma perspectiva de ação (RÜSEN, 2012, p.39)

Partindo destes referenciais teóricos, pediu-se aos alunos para que escrevessem as cinco palavras que associassem ao período perguntado, tendo como objetivo perscrutar quais eram as ideias dos alunos sobre o Conteúdo Substantivo “Ditadura Militar”.

Nesta questão, utilizamos como referencial teórico, a pesquisa de Maria Auxiliadora Schmidt denominada Perspectivas da Consciência Histórica e da Aprendizagem em Narrativas de Jovens Brasileiros (2008), onde a autora estudou as ideias históricas de alunos e professores, tendo como sujeitos 136 jovens na faixa etária entre 13 e 14 anos, cursando a 8ª série de escolas públicas da região metropolitana de Curitiba, categorizando as ideias destes sujeitos em: Elementos Estruturantes e Ideias Substantivas e a partir de PROST (1996), dividindo as narrativas dos alunos em Relato, Quadro, Trama.

As ideias dos jovens sobre o Regime Militar Brasileiro

Nisto posto, dividiu-se as ideias dos alunos em três categorias segundo a quantidade de vezes que estas ideias são citadas pelos alunos, foram no total 261 respostas, isto é, 51 dos 60 alunos responderam a esta questão:

                     Quadro 1 – Ideias mais referenciadas  – Colégios B. e C.

Colégio C	Colégio B
Opressão e Repressão	Falta de Liberdade e Repressão
Morte	Forças Armadas
Forças Armadas	Ditadura
Guerra	Morte
Tortura	Luta/Confronto
Tristeza/Sofrimento	Processo (Judicial)
Governo	Guerra
Política	Corrupção/Irregularidade
Ordem/Rigidez	Censura
Censura	Tortura
Poder	Controle

Nos dois Colégios, a ideia do período como uma época de falta de liberdade, de repressão e opressão foi majoritária, e também como um período predominante de conflitos, lutas e mortes, evidenciado pelas palavras que estão entre as mais citadas: tortura, morte, censura, ordem e rigidez, no Colégio C. e censura, tortura, controle, processo, ditadura, no Colégio B.

Outra evidência que as respostas dos alunos nos dão sobre as suas ideias é que a palavra Forças Armadas (entendidas aqui como a junção de Exército, Marinha e Aeronáutica) é a segunda mais referenciada no Colégio B e a terceira no Colégio C. Pode-se interpretar que para esses alunos os principais “personagens históricos” deste período são os membros destas armas, isso é reforçado pela palavra guerra que aparece em grande número juntamente com luta/confronto, morte e ordem/rigidez. Juntamente com estas palavras, no Colégio C, as palavras política e poder estão bastante referenciadas, portanto possivelmente os alunos associam que o controle político está tão somente com os militares, esquecendo, ainda que de maneira não intencional, o papel dos civis neste período.

Quadro 2 - Ideias medianamente referenciadas – Colégios B. e C.

Colégio C	Colégio B
Povo/Sociedade	Golpe
Desigualdade	Governo
Ditadura	Derrota
Democracia	Mentira/Manipulação
Protesto	Autoridade
Brasil	Prisão
História	Mudança
Policiais	Sociedade

Um ponto interessante é que há muitas respostas associando o período a sentimentos, nas ideias mais referenciadas há menção à tristeza e sofrimento, já no quadro acima que fala sobre as ideias medianamente referenciadas, observamos que há várias ideias associadas a sentimentos como: injustiça, mentira/manipulação, trapaça, derrota, sofrimento, essas palavras suscitam uma questão: Por que estes alunos associam este período a sentimentos? Podemos ter uma possibilidade: as narrativas tanto midiáticas (as principais redes de televisão nos últimos 15 anos exibiram alguma produção dramatúrgica relacionada ao tema ou com personagens históricos que viveram o período entre 1964 a 1985) tendo como enfoque as violências do período. E também temos uma evidência importante da relação dos alunos com este tema, os alunos dão relevância associando sentimentos, isto é, os alunos se posicionam sobre o que foi este período dando contornos de sofrimento e tristeza para este. Outra coisa é que a concepção de um período violento, repressivo e de conflito é reforçada nas respostas dos alunos com palavras como: prisão, guerrilha, violência, protesto, golpe, entre outros.

Outro elemento que também aparece nas ideias medianamente citadas é a questão das desigualdades sociais, uma provável leitura dos alunos que veem a falta de liberdade deste período como algo que acentua as diferenças entre ricos e pobres, como podemos observar nas palavras como: desigualdade, riqueza e injustiça.

Quadro 3 – Ideias menos referenciadas– Colégios B e C

Ideias menos referenciadas
Colégio C	Colégio B
Respeito	Violência
Discriminação	Tristeza
Exílio	Manifestação
Conflito	Defesa
Reforma	Revolução
Cadeia	Independência
Mudança	Indecência
Direitos	Força

As ideias menos referenciadas são as que pensam a Ditadura Militar como um período de falta de liberdades e de um forte controle por meio dos militares do Brasil (submissão, controle, centralizado, proibição, totalitarismo) e também como um período de conflitos e violência, (violência, manifestação, crise, disputa, perseguição) além de associação de ideias relacionadas com sentimentos, que é uma possibilidade de criação de sentidos pelos alunos com o conteúdo (vergonha, medo, ódio, revolta)

Conclusões    

Uma primeira consideração que se deve ressaltar que é os sujeitos desta pesquisa ainda não tinham retomado o conceito substantivo Ditadura Militar Brasileira em suas aulas História, por isso pode-se explicar o porquê de haver um número considerável (em todas as questões dissertativas) de Cópia. Em uma fala preliminar à aplicação da pesquisa em sala de aula, o professor do Colégio B, Terceiro Ano do Ensino Médio,falou que iria trabalhar com os alunos o conteúdo no terceiro bimestre de 2014 e a turma pesquisada no Colégio C é de segundo ano do Ensino Médio, que só terá contato com esta temática no ano seguinte.

Podemos concluir a partir da análise das respostas que uma parte dos alunos tende a privilegiar duas questões, o foco no Golpe de Estado do dia 31 de março de 1964, isto é, para estes alunos o período de 21 anos foi somente um golpe de estado que derrubou um presidente e colocou um militar em seu lugar, e algumas destas narrativas ressaltam questões como a falta de liberdade e o aumento da dívida externa deixada pelos sucessivos governos militares nos anos seguintes.

Outra parte vai ressaltar a questão da hegemonia militar, isto é, dentro das disputas de narrativas sobre o que foi o período, para este grupo de alunos fica mais forte aquelas que ressaltam a questão dos militares como controladores do poder político e os civis como meras vítimas deste controle, o que a historiografia recente sobre o período vem desconstruindo.

Essas duas concepções podem ser evidenciadas ao observar que as palavras mais referenciadas ressaltam estas duas questões: tortura, morte, censura, ordem e rigidez, no Colégio C e censura, tortura, controle, processo e ditadura  no Colégio B. As palavras Forças Armadas estão entre as cinco mais citadas em ambos os Colégios, juntamente com as concepções de um período de conflito a partir das palavras luta/confronto, morte e ordem/rigidez, sendo que as ideias medianamente referenciadas acabam confirmando estas duas tendências.

Referências

CASTEX, Lilian Costa. O Conceito Substantivo Ditadura Militar Brasileira (1964-1984) na perspectiva de jovens brasileiros: Um estudo de caso em escolas de Curitiba-PR. 2008. 181p.Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Paraná.

LESSARD-HÉBERT, Michelle, GOYETTE, Gabriel & BOUTIN, Gérald. Investigação Qualitativa: Fundamentos e Práticas. Lisboa, Instituto Piaget, 2012. p.10-170

RÜSEN, Jorn. Aprendizagem Histórica: Paradigmas e fundamentos. Curitiba: W & A Editores, 2012. pp.10-47

_____________. Cultura faz sentido. Petrópolis, Vozes, 2014. p.75-99

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Perspectivas da Consciência Histórica e da Aprendizagem em Narrativas de Jovens Brasileiros. Revista Tempos Históricos. V.12, Jan/Jun-2008, pp.81-96