Erivaldo Santos

PROBLEMÁTICAS DO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA
Erivaldo Cavalcanti dos Santos Jr.
UPE


Debater o ensino de História é um desafio. Desafio comparável ao de ensinar a História diante das problemáticas existentes nas demandas atuais. Ao que parece, a grade curricular e seus extensos e abrangentes conteúdos não envelheceram bem, e não acompanham as necessidades do público. Sobretudo o ensino da História Antiga dá a aqueles que se propõem a ensiná-la uma provocação: De que maneira tornar este período da História que nos parece tão distante mais atraente para os estudantes? Para que possamos passar por este questionamento, é necessário primeiramente rever e questionar alguns conceitos já enraizados no ensino da História.
           
Dentre os períodos históricos estudados em todos os níveis do ensino, a Antiguidade se destaca inicialmente pela delimitação temporal a qual é definida e também pelo seu recorte geográfico, pois, “Não é a História Antiga do mundo, portanto, mas a História de um recorte bem específico do passado: o das origens do Ocidente” (GUARINELLO, 2013, p. 13). De face para esta realidade, surge uma das principais problemáticas do ensino de História Antiga: A não identificação com este período.

Esta dificuldade de aproximar os alunos do período histórico estudado ocorre graças a outro fator também relacionado às problemáticas do ensino da História, que é a não explicação do estudo da disciplina. Ora, como criar empatia com estes acontecimentos sem compreendemos a razão de estudá-lo? Sem esta compreensão, construir pontes de conhecimentos torna-se um trabalho árduo. Contudo, não devemos atribuir culpa somente a estes fatores. A estratificação da grade curricular da disciplina de História, e o material didático não se constituem em ferramentas que auxiliem o profissional da História nesta empreitada.

Ao nos depararmos com o material didático que nos é oferecido como instrumento, percebemos que sua configuração não foi modificada, este fato se torna mais alarmante quando nos deparamos com o seguinte quadro: o conteúdo da disciplina de História muitas vezes é configurado da mesma maneira a qual tivemos contato na escola. Este acontecimento contrasta muitas vezes com as discussões travadas quando estamos nos processo de formação. Travamos longos debates sobre a crise da concepção positivista, porém, ao sairmos da formação percebemos que esta mesma concepção continua presente na grade curricular, o que promove muitas vezes a limitação na elaboração de projetos que acabam por priorizar o conteudismo e não exploram outros aspectos do período histórico que poderiam auxiliar o profissional da História com sua missão de transmitir o conhecimento de forma dinâmica.

No ensino da História Antiga temos exemplos desta limitação causada pela crise existente na formatação da grade curricular. Como mencionado anteriormente, um dos fatores que auxiliam na construção do conhecimento é a empatia com o período histórico estudado.Porém, como criar conexões com este passado se, quando temos contato com seus acontecimentos conhecemos apenas a participação dos heróis, dos grandes líderes de estado e das elites sociais? Como compreender estes grandes processos históricos sem citar a participação de outros personagens que não os tradicionais? E, além disso, como demonstrar que não existem tantas distâncias entre as pessoas daquele período e nós? Lidar com estes questionamentos estando limitado pelas tendências tradicionais no ensino de História é uma complicada tarefa, quiçá impossível.

Contudo, dentro do meio acadêmico, movimentos que presam por renovação estão ganhando força. As novas gerações de profissionais da História estão, por exemplo, conhecendo novas práticas para que a aprendizagem se torne possível. Além disso, com a exigência crescente do domínio da multidisciplinaridade novas opções são oferecidas aos profissionais de História dispostos a utilizar-se do universo da literatura, das artes e da contribuição de outras ciências (WHITE, 1994, p.41). Também é necessário frisar que a aproximação promovida nas últimas décadas entre a História e as novas mídias nos permitem abordagens cada vez mais abrangentes. O exemplo mais forte desta ligação entre a História e as novas mídias é o cinema que, nos oferece boas opções para promover de forma lúdica a construção não somente do conhecimento, mas também de uma consciência histórica.

Esta renovação promovida nas últimas décadas também chegou a História Antiga. Esta reconfiguração permite que sejam criadas novas linhas de pesquisa para este período da História. Ao repensarmos a História Antiga no meio acadêmico, temos a possibilidade de transitar fora do vórtice dos heróis e das elites. E, ao praticarmos esta revisão também na educação podemos de fato buscar soluções para as problemáticas expostas anteriormente, pois, agora mesmo ainda coexistindo com o tradicionalismo, é possível retrabalharmos o objetivo do conhecimento histórico da Antiguidade.

Os historiadores buscam atualmente por novas unidades de estudo, que possibilitem romper com as antigas sequências históricas de uma suposta História Universal. Não porque fossem erradas ou arbitrárias, mas porque são anacrônicas. Elas não respondem mais às exigências contemporâneas de construção de uma História mundial de integração. (GUARINELLO, 2013, p. 14)

Com isso, novos questionamentos são levados a Antiguidade, e nos dão a oportunidade de trabalhá-los em todos os níveis do ensino. A historiografia atual preocupa-se não somente em analisar os processos históricos pela perspectiva dos grandes heróis e das elites sociais, mas inclui também em seus estudos a participação dos grupos sociais menos privilegiados, e não somente isso, a vida cotidiana ganha destaque para compreensão do pensamento da época, com isto abrindo possibilidades para que nós possamos demonstrar na educação que a Antiguidade “não deixa de ter grande importância para a compreensão do mundo atual e da posição que nós, brasileiros, ocupamos dele” (GUARINELLO, 2013, p. 15).
           
Outro ponto que deve ser salientado é a valorização, e utilização das artes no ambiente escolar. A literatura clássica, por exemplo, recuperou seu prestígio no ensino de História. Atualmente é possível perceber na elaboração de novos projetos o grande esforço de alguns profissionais de levar o conhecimento da antiguidade de maneiras dinâmicas para estudantes em todos os níveis do ensino. A Literatura tornou-se um meio indispensável de contribuição para compreensão e também para criação da consciência histórica auxiliando a promover um maior interesse dos alunos ao perceberem surpresos que seus questionamentos e sentimentos também foram partilhados em épocas antigas.

Mas são contos e lendas que capturaram a imaginação ocidental, que foram indefinidamente repetidos e renovados, e cujas reiterações e variações se poderia traçar, em parte, a História da alma europeia: a história definitivamente de todos nós. Todos somos um pouco Ulisses, um pouco Cristo, um pouco Sócrates, um pouco Rousseau. E também um pouco Abraão, Prometeu, Antígona, Gulliver, Alonso Quijano, Macbeth, Édipo, Robinson, Fausto, Wilhelm Meister, capitão Ahab, Ulrich ou o agrimensor K. Suas histórias ocupam o lugar de nossa inquietude, o vazio essencial e trêmulo em que se abriga nossa ausência de destino. (LARROSA, 2013, p.21)

Contudo, os avanços obtidos pela Historiografia nas últimas décadas não devem ser vistos como uma vitória para aqueles que se propõe a ensinar a História. Sobretudo a História Antiga, que ao longo dos anos tenta a aproximação com o público defendendo o discurso que garante sua relevância na grade curricular da disciplina de História. A empreitada tende a se intensificar com o passar do tempo, já que a crise existente com os paradigmas positivistas parece corroer as antigas estruturas vigentes desde os anos 70. Porém, os esforços dos profissionais da História em manter acesa a chama deste debate dão forças e estímulo àqueles que buscam a todo custo continuar a desafiar as problemáticas do ensino de História.

Referências
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
CHEVITARESE, A. L; CORNELLI, G.; SILVA, M. A de O. (Org). Tradição Clássica e o Brasil. Brasília:Archai/UNB/Fortium, 2008.
GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: Danças, Piruetas e Mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
WHITE, Hyden. Trópicos do Discurso: Ensaios Sobre a Crítica da Cultura. São Paulo: EdUsp. 1994.



16 comentários:

  1. O rompimento com a historiografia positivista e uma reformulação na grade escolar, seria o suficiente para corrigir as problemáticas abordadas no ensino de História Antiga?
    Nome: José Luciano de A. Dias FIlho

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro José Luciano,
      O rompimento com estas estruturas poderiam iniciar um processo de modificação, não somente no ensino de História Antiga, mas no ensino de História como um todo. Contudo estas estruturas não são as únicas responsáveis pelas problemáticas do ensino de História outros fatores também podem ser apontados, tais como: O não interesse de alguns profissionais em manter uma formação continuada e a falta de incentivo na área de pesquisa.

      Excluir
  2. Como podemos tornar o conteúdo de historia antiga mais atraente para os adolescentes, uma vez que esses conteúdos sao abordados e por vezes eles não demonstram interesse algum, alegando que, o passado não ira acrescentar nada na vida atual deles. Como podemos tornar esses conteúdos atraentes e participativos?
    Ellen Thais Ubirata Paraná

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Primeiramente aproximando seus alunos do período estudado. Uma visualização do período também é muito pertinente para que essa aproximação seja efetiva. Para esta aproximação é possível à utilização de algumas ferramentas como Filmes, Imagens e Histórias em Quadrinhos (HQ's). Após promover essa aproximação, pode-se demonstrar qual a importância de estudar e compreender este passado.

      Erivaldo Cavalcanti D. S Júnior

      Excluir
  3. Gostaria de saber como podemos tornar estes temas mais atraentes e interessantes, uma vez que os alunos dizem que este tema nada acrescenta a visa deles, estes sao períodos difíceis ate para os professores devido a ausência de maiores informações. Como nos podemos mudar esta realidade?

    ResponderExcluir
  4. Gostaria de saber como podemos tornar estes temas mais atraentes e interessantes, uma vez que os alunos dizem que este tema nada acrescenta a visa deles, estes sao períodos difíceis ate para os professores devido a ausência de maiores informações. Como nos podemos mudar esta realidade?

    ResponderExcluir
  5. Gostaria de saber como podemos tornar estes temas mais atraentes e interessantes, uma vez que os alunos dizem que este tema nada acrescenta a visa deles, estes sao períodos difíceis ate para os professores devido a ausência de maiores informações. Como nos podemos mudar esta realidade?

    ResponderExcluir
  6. Caríssimo comunicador,
    Erivaldo Cavalcanti dos Santos Jr.

    Em seu texto você afirma que o problema relacionado ao ensino de História Antiga é o currículo que não envelheceu com o passado. Nesse ponto eu tenho que concordar com você, todavia se estamos falando do currículo da escola básica, porque como você expõe no Brasil os programas de pós-graduação tem buscado desenvolver pesquisas nessa temática com mais liberdade e sem ficar presos às amarras da grade curricular. Aqui em Goiás, existem investigações que estão privilegiando assuntos da Antiguidade como as dinâmicas socioculturais, o imaginário, o poder, as literaturas, etc. Porém, observamos que tanto o currículo quanto o livro didático não absorve na mesma velocidade a produção acadêmica, nesse ponto temos uma abordagem/estrutura curricular que surgiu no século passado e não consegue atender as reais carências de orientação da nova geração de crianças, jovens e adultos em idade escolar.
    Nesse caso, como tornar o ensino de História Antiga prazeroso sem querer transformá-lo em utilitário? Como usar os conhecimentos da Antiguidade para construção da consciência histórica sem ter que fazer relativizações? Como romper (transgredir) o currículo básico para ter um melhor aproveitamento dos conteúdos/temas/assuntos da Antiguidade?

    Max Lanio Martins Pina
    Mestrando em História – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
    Docente da Universidade Estadual de Goiás – Campus Porangatu
    maxilanio@yahoo.com.br

    ResponderExcluir
  7. Como devemos elaborar linhas de pesquisas voltadas para o estudo da Antiguidade, que possam gerar interesses nos alunos, sabendo o quanto é difícil a pesquisa no campo da História Antiga, principalmente em relação as poucas fontes primárias existentes, como também, o problema da linguagem, como a questão do latim e do grego clássico, do mesmo modo, a escassez de produção bibliográfica em língua portuguesa?

    Michell Ribeiro Sobral.

    ResponderExcluir
  8. Prezado Erivaldo.
    Apreciei muito o seu texto e a reflexão proposta sobre a influencia positivista que ainda permeia o meio histórico e muitos historiadores ate o presente.
    Muito se tem feito para mudar essa visão e a ênfase dada ao enfoque do povo,dos simples,dos comuns que atuaram na Historia se faz muito relevante hoje,historicamente falando.
    Sempre achei que a Antiguidade nos ensina muitíssimo.
    Gostei muito quando você diz " que os alunos ao perceberem surpresos que seus questionamentos e sentimentos também foram partilhados em épocas antigas".
    Dai vem minha pergunta:
    Seria melhor estimular o interesse dos alunos pela Antiguidade ao demonstrar que muito do que aconteceu com povos antigos ainda se reflete nos nossos dias e mesmo em nossas vidas?
    Como exemplo: a criação do alfabeto,pelos fenícios .
    A ponte entre Antiguidade e Atualidade se faria por meio das mudanças e das permanências?
    Grato,
    Wander Alexandre Araujo Miranda Bauru-SP

    ResponderExcluir
  9. Rafael Moura Roberti12 de maio de 2015 às 08:46

    Para os historiadores, esses poucos, o passado tem um valor por si só. Já dizia Marc Bloch, "não esqueçamos o quinhão de poesia de nossa prática". Contudo, para os outros o passado é uma curiosidade, quando muito. Mesmo a escassez das fontes ou o problema da linguagem não são impeditivos para explicações profundas sobre a vida dos homens. O estudo da antiguidade também é ferramenta para entendermos nossa vida da forma que ela é e na profunda citação de Larosa: "somos tods um pouco Ulisses..."

    ResponderExcluir
  10. Olá, sei que duas das formas de incentivar o interesse de alunos por História Antiga são palestras e a literatura, quais seriam os outros meios e métodos para incentivar o interesse por esta matéria?
    Atenciosamente William Cittadin
    Graduando na Unipar- Universidade Paranaense
    Email: williamcittadin@yahoo.com.br

    ResponderExcluir
  11. Excelente o artigo sobre o ensino da História Antiga. Sou professora de Literatura e me apoio muito na história, principalmente na Antiga, para o início do caminhar com as artes literárias. Mas ainda é possível questionar: como administrar o ensino de História Antiga e o advento do momento tecnológico vivido pela humanidade? Será possível separar passado do presente se a cada instante surgem novas tecnologias para serem acessadas?

    Fabíola Elisa de Araújo

    ResponderExcluir
  12. Certamente o uso de filmes para ilustrar o ensino de história é fundamental nos dias atuais, sobretudo no que diz respeito aos filmes que tratam de história antiga, pois uma pergunta que você mesmo fez é fundamental para todos professor que decide usar filmes como ferramentas na sala de aula: "De que maneira tornar este período da História que nos parece tão distante mais atraente para os estudantes?" Contudo, sabemos que num micro espaço como a sala há diferentes tipos de educações, inclusive choque de ideias que não dizem respeito somente ao âmbito familiar do jovem, mas em toda a sociedade em que vivemos. Então, como mostrar aos alunos que os filmes no ensino de história, sobretudo no ensino de história antiga, trazem discussões (religião, sexualidade, arte, filosofia) que fazem parte do cotidiano dos jovens, possibilitando a eles uma visão de que os acontecimentos do passado não se perderam no passado, mas estão vivos e presentes no dia a dia? Filipe Matheus Marinho de Melo

    ResponderExcluir
  13. Como ensinar aos alunos História Antiga atualmente e como fazer com que as aulas se tornem mais prazerosas?

    ResponderExcluir
  14. Raimunda Dionísio Neta15 de maio de 2015 às 06:06

    A problemática que permeia o ensino de História levou a produção de uma série de materiais, livros, artigos entre outros materiais e é um tema longe de ser esgotado, pois que sua complexidade se fundamenta em várias referências e parâmetros, sendo possível discutir sobre o ensino de história e produzir reflexões .

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.