José Luciano

O FILME COMO FERRAMENTA DE ENSINO EM HISTÓRIA ANTIGA
José Luciano de A. Dias Filho
UPE


O cinema desde o seu surgimento no final do século XIX tem passado por muitas transformações ao longo do tempo, atualmente sendo considerada uma cultura de massa que atinge boa parte da população. Mesmo com um número limitado de pessoas frequentando as salas de cinema, o filme chega ao conhecimento dos espectadores de inúmeras formas.

O uso intenso da internet por vários grupos da sociedade faz com que o acesso à cinematografia, tanto atuais quanto mais antigas, fique disponível de forma gratuita. É sob essa conjuntura que os alunos têm o contato com os mais diversos tipos de filmes, inclusive os chamados “filmes históricos”. É trabalho do profissional de história reconhecer tal mídia como ferramenta de formação do pensamento histórico, não apenas do aluno, mas da sociedade no geral.

Robert. A. Rosenstone acredita que o cinema, especificamente os longas-metragens dramáticos, transmitem um tipo de História (com “H” maiúsculo), indo de encontro com tudo o que nós aprendemos. (ROSENSTONE, 2010, p.15) A História com “H” que Rosenstone se refere é a história acadêmica, da qual é produzida a partir de teorias e metodologias para garantir um conhecimento histórico sólido. Para ele a história não se faz apenas com palavras impressas, o cinema é uma mídia própria e deve ser trabalhada de acordo com suas especificidades. O filme não pode substituir o texto, assim como o texto não pode substituir o filme, são mídias diferentes que trabalham de formas singulares os aspectos da história: “A peculiaridade do cinema é que ele, além de fazer parte do complexo da comunicação e da cultura de massa, também faz parte da indústria do lazer (não nos esquecemos) constitui ainda obra de arte coletiva e tecnicamente sofisticada.” (NAPOLITANO, 2011, p.52)

De acordo com o pensamento de Rosenstone, relevar a importância dos “filmes históricos” é ignorar a tentativa de entender a maneira como uma grande parte da população passa a compreender os acontecimentos e as pessoas que constituem a história. (ROSENSTONE, 2010, p.17) Saber trabalhar, compreender e analisar os filmes, é uma forma para que possamos entender o quanto essas obras influenciam na formação histórica da sociedade, e consequentemente nos nossos alunos.

Marc Ferro vai ser um dos primeiros historiadores a trabalhar com os “filmes históricos”, para ele o filme é um documento e merece ser analisado com tamanha importância assim como qualquer outro, pois o filme era completamente ignorado como objeto cultural. (FERRO, 2010, p.51) Atualmente essa hierarquia documental acaba fazendo com que os textos tenham umasupervalorização em relação as imagens, principalmente para a academia, no entanto é preciso entender as especificidades  e particularidades de cada um.

Segundo Marc Ferro, para a Alemanha Nazista o cinema sempre foi uma impulsionadora da propaganda Hitlerista. Era uma forma de fazer com que as ideias políticas do partido entrassem nas escolas, nesse momento o cinema começou a ser usado como instrumento de transmissão de ideologias de forma proposital. (FERRO, 1997, p.25) Os nazistas perceberam a importância pedagógica que o cinema tem para ensinar e transmitir ideias, no final o filme sempre traz uma mensagem.

Usando as ideias de Ferro sobre a análise do filme como documento, e a de Rosenstone sobre a transmissão de uma história com “H”, tendo o cinema uma relevância social enorme, pois esta monta a forma como a população entende os acontecimentos históricos. É criado um arcabouço que defende e mostra a importância dos filmes no ensino de história.

Assisto filmes que retratam a história antiga desde o ensino fundamental, tendo desde esse período um interesse pela disciplina vista na escola. Posso afirmar que tais obras cinematográficas não só estimulam a pesquisa sobre o passado representado, como influencia de forma intensa a imaginação do espectador. Toda a sequência de imagens organizadas em quadros e acompanhada por uma trilha sonora propicia uma construção do imaginário.

Por mais equivocadas que sejam as representações do passado, são essas as imagens que influenciam o imaginário histórico dos alunos. Pergunte a eles como imaginam os gregos da Guerra de Tróia, e eles descreverão os gregos do filme “Tróia” (2004). Cabe ao profissional de história não só desconstruir essa imagem, mas sim trabalhar com ela e tentar entender o porquê ela foi usada. Possivelmente os alunos nunca viram uma imagem de um grego do período homérico, e se o filme representasse os gregos de uma forma em que o público alvo não os reconhecesse, a obra falharia com seu objetivo.

É preciso entender todos esses aspectos antes de trabalhar com os filmes comerciais, assistidos pela maioria da sociedade, inclusive os alunos. Outro ponto interessante é que o próprio público espectador é convencido pelas imagens, acreditando que tudo no filme é baseado em estudos historiográficos. Logo o aluno passa a acreditar no discurso do filme, dando a ele a mesma importância narrativa que o livro de história traz. Não é difícil o professor estar dando aula e ser interrompido por um aluno, dizendo que você está errado porque determinado filme mostrou forma diferenteo que está sendo ensinado na sala de aula.

Por isso que o trabalho de filmes na sala de aula é de tamanha relevância, apenas o fato de desenvolver uma análise crítica histórico cinematográfica na formação do aluno, vai fazer com que ele tenha outro tipo de percepção sobre as obras fílmicas e a antiguidade.O ensino de história antiga muitas vezes acaba não tendo o destaque que merece, nos filmes o aluno encontra uma forma lúdica e pedagógica criando um interesse pela história antiga. Desde que se tenha uma análise crítica do filme, sabendo que é acima de tudo uma obra de arte, sem comprometimentos ou embasados em estudos históricos e com o direcionamento para determinado público, essa mídia pode ser uma ótima ferramenta não só no ensino de História Antiga, mas de qualquer passado representado.

Para Norberto Luiz Guarinello, a História Antiga ocupa uma parte importante da nossa identidade, não só enquanto pessoas, mas enquanto nação. Pensar sobre História Antiga seria uma maneira de repensarmos nosso lugar em um mundo de rápidas transformações. (GUARINELLO, 2013, p.8) É necessário antes mesmo de entender a importância do cinema, conhecer a riqueza que a antiguidade pode nos oferecer. É comum pensarem que pelo fato da antiguidade ser um tempo distante do nosso presente ela é irrelevante, taxada de “velha”, e sem funcionalidade, mas aí está o desafio do profissional de história, desconstruir essa ideia equivocada encontrada em muitos alunos. Podendo até mesmo usar o cinema para isso.

O conhecimento sobre o “mundo antigo” não permanece estático, pelo contrário, transformou-se no mesmo ritmo das grandes mudanças políticas e sociais do último século. Ela nunca deixou de dialogar com o presente, mantendo-se sempre atual. (GUARINELLO, 2013, p.30) Essa é a mensagem que os alunos precisam entender, a História Antiga dialoga com o presente, e vice-versa, o filme é uma das maiores provas disso. As representações do passado, as apropriações dos conceitos e até mesmo o uso da antiguidade como cenário para desenrolar de narrativas, tudo isso é uma comunicação entre o antigo e o atual.

Um dos filmes que caracteriza bem esse diálogo entre a História antiga e a atualidade é o filme “Agora” (2009), lançado no Brasil com o nome de Alexandria. O longa-metragem foi dirigido pelo espanhol Alejandro Amenábar e estrelado por Rachel Weisz e Max Minghella. O filme traz a história de Hipátia (355-415 D.C), filosofa e professora em Alexandria, uma cidade agitada pelas ideias religiosas da época. O Cristianismo tinha deixado de ser a religião oprimida, tornando-se a opressora ese digladiando com o Judaísmo e a religião romana.

Os cristãos dominam aos poucos a cidade, mas eles são atrasados pelo Prefeito Orestes que é casado com Hipátia, ao menos no filme. Cirilo, o líder cristão, encontra a ligação entre Orestes e Hipátia como o ponto fraco da resistência pagã, já que Hipátia tinha uma grande influência sobre o prefeito. Usando argumentações cristãs e a própria escritura, Cirilo acusa Hipátia de ateísmo e bruxaria fazendo com que essa perseguição culmine em sua morte. 

“Ágora” (2009) é um filme que pode trazer diversas contribuições para o ensino de História Antiga, tendo a possibilidade de fazer uma ponte sobre os temas atuais que afligem a nossa sociedade. É possível estudar o crescimento do Cristianismo como religião dominante e como se deu esse desenvolvimento, infelizmente de forma intolerante passando por cima das outras religiões de forma violenta para alcançar o seu objetivo. É interessante também analisar a posição social que Hipátia tinha em Alexandria, por volta de 400 E.C ela se tornou chefe da escola Platonista de Alexandria, lecionando filosofia e matemática. (STEWART, 2015, p.176) Ela era uma pessoa de posição relevante, tanto intelectualmente quanto politicamente, já que os cristões teriam a matado pela sua influencia para com o prefeito.

Discussões que podem fazer com que nós repensemos sobre a atualidade não ficam ausentes, já que ideias como fundamentalismo religioso e intolerância não é incomum para nós, até mesmo a atuação da religião na política é um ponto que nos faz refletir sobre a nossa realidade. É uma conjuntura política, religiosa e social da antiguidade, representada no filme, e assistido por nós como receptores de uma mensagem possível a ser discutida. Não cabe a nós, profissionais de história, apontar os erros do filme, mas sim direcionar o pensamento histórico do aluno pelo melhor caminho possível.

Referências
FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
FERRO, Marc. História da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Editora Ática, 1993.
GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o Cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2011.
ROSENSTONE, Robert A. A História nos filmes, os filmes na História. Paulo: Editora Paz e Terra, 2010. 
STEWART, Ian. Em busca do Infinito. São Paulo: Zahar, 2014.



15 comentários:

  1. Valeria Taborda de Almeida11 de maio de 2015 às 06:21

    Como os profissionais da história podem quebrar esse tabu de que apenas os textos são os documentos que trazem a "verdade"? Como fazer com que ambos cinema e textos tenham a mesma importância para um aluno em sala de aula? O aluno normalmente traz consigo a ideia de que o que esta no livro é a história pronta e acabada, então como levar o filme até eles, não como um momento de lazer, mas como os colocar diante do filme como ele sendo um documento como o livro, o texto? Simplificando, como seria a melhor forma de fazer o aluno entender, que ambos texto e cinema, nos trazem verdades, ou perspectivas iguais?Já que ambos caminham juntos, e não separados, como ouvimos dizer por muito tempo.
    Att, Valeria Taborda de Almeida

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    1. Primeiramente tentar desconstruir esse conceito de "verdade" é bem importante, para depois desmistificar a suposta verdade que um texto traz. Assim como o texto é um documento, o filme também é, mas cada um possui suas particularidades pois são mídias diferentes. É importante deixar claro que o filme é uma obra artística, e pertence ao campo das artes assim como a literatura. Por o último, o filme pode ser analisado e interpretado de diversas formas, mas sempre deixando claro que ele não é um obra historiográfica, logo não tem compromisso com a fidelidade dos estudos históricos, mas sim uma forma artística da representação do passado que merece merece ser observada como tal.

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  2. Tendo em vista que a dispersão possa acontecer durante a exibição dos filmes, para evitar isso quais sugestões? Aplicar ou não atividades pedagógicas? E se aplicar, antes ou depois da exibição do filme? Natania Teixeira

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    1. Durante o filme fazer pequenas paradas para dar breves explicações pode ser interessante para garantir que os alunos estejam entendendo, buscando atrair o interesse do aluno. A aplicação da atividade deve ser feita após o filme, no entendo deixando claro desde o início que será feita uma atividade sobre a temática.

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  3. Rafael Moura Roberti12 de maio de 2015 às 21:21

    Quando você diz ao final que não cabe a nós apontar os erros do filme, você quis ressaltar que é muito mais importante direcionar o pensamento histórico e colocar o aluno como papel de agente; ou voce realmente pensa que não devemos apontar os erros do filme?! Pegue o filme "300" por exemplo: os persas são representados com vestes muçulmanas; É uma "antecipação das tendencias da moda" de pelo menos 12 séculos. É impossível não pontuar o uso político e as implicações políticas desse filme no mundo pós-11 de Setembro.

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    1. Ótimo ponto você abordou, quando eu falei que não cabe a nós apontar os erros do filme, quis dizer que esta é uma obra artística e não tem nenhum compromisso com os estudos históricos. Tem pessoas que assistem o filme apenas para ver o que tem de errado ou não, e a nossa função não é essa, mas sim trabalhar o filme da melhor maneira possível para o enriquecimento intelectual do aluno. Como o exemplo que você deu do filme "300", essa correção é muito pertinente, mas será que a direção e produção do filme representaram os persas de forma equivocada? Ou foi com uma intenção? E se foi com uma intenção, qual seria ? Esse é a discussão que deve ser levada para a sala de aula. Penso que a representação do persa foi feita dessa forma anacrônica para que o público pudesse reconhece-los como orientais, fazendo aquela velha guerra, Ocidente vs. Oriente.

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  4. sonia maria magni da silva13 de maio de 2015 às 07:33

    Quais os critérios que devemos usar para trabalharmos com filmes antigos em salas de aulas.

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    1. No meu texto eu trabalho focando os filmes comerciais, pois são os mais acessíveis não só para os alunos, mas para a sociedade no geral. Primeiramente: o filme deve obedecer a classificação etária adequada dos alunos para não surgir problemas futuros, segundo: o professor deve não só ter assistido como também dominar o contexto histórico que o filme apresenta, juntamente com os possíveis temas a serem discutidos. Não existe uma lista de critérios, desde que o professor ache pertinente o uso da quele filme e cumpra com os devidos cuidados já citados, a escolha fica por sua conta.

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  6. Você falou que "Cabe ao profissional de história não só desconstruir essa imagem, mas sim trabalhar com ela e tentar entender o porquê ela foi usada." Certamente a construção estética do filme diz respeito as escolhas do diretor. Você citou o filme "Tróia" e de como a imagem dele se aproxima na imaginação dos alunos do que realmente foi (mesmo sabendo da diferença secular que permeia aquelas roupas do período histórico). Isso se dá, sem dúvida, da criação que temos na sobre a ideia do período grego antigo. Mas se pegamos um filme nos moldes de "Édipo Rei" de Pasolini, os alunos perceberão que aquilo certamente não diz respeito ao mundo grego, mas se trata de uma tragédia grega. Quando isto acontecer, como explicaremos as escolhas do diretor e como abriremos um leque mais crítico, por meio dos filmes e das representações, na imaginação dos nossos alunos? Filipe Matheus Marinho de Melo

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  7. O professor ao utilizar filmes como metodologia de ensino aos alunos sobre História Antiga é uma ótima ferramenta, pois é uma forma de motivar e atrair aos alunos a conhecer a história e como se desenvolveu ao longo dos anos.

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  8. Percebendo a importância desta ferramenta em sala de aula, como não errarmos na questão da "dose" pois trabalhamos com as mais variadas faixa etárias de alunos, quais os principais cuidados que o professor deve ter ao adotar essa metodologia com os alunos?

    Atenciosamente: José Roberto Wosgrau

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  9. É importante conhecer a maturidade dos alunos, sempre tendo a classificação indicatória do filme como referência. No entanto se o filme for realmente importante como ferramenta, é possível fazer recorte das cenas interessantes desprezando as que não contribuiriam para os alunos. Os principais cuidados devem ser com cenas de sexo e violência, dependendo dos alunos.

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  10. O que fazer para que os alunos aceitam que os acontecimentos passados trouxeram consequencias significativas para o presente?

    Sirlene Pio

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