JOVENS,
CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E VIDA PRÁTICA: AS MANIFESTAÇÕES DE RUA E SEU SIGNIFICADO
PARA JOVENS BRASILEIROS
Maria Auxiliadora
M.S.Schmidt
UFPR
Uma das
questões pertinentes às preocupações do campo da Educação Histórica tem sido
investigar possíveis relações existentes entre a vida prática dos jovens e as
suas ideias históricas. Nesse particular é pertinente elucidar o conceito de
vida prática e seu significado para a aprendizagem histórica. No âmbito da
teoria da consciência histórica (RÜSEN, 2001; LEE, 2006) há uma interlocução
orgânica entre a ciência da história e a vida prática e é nessa última que são
produzidas e detectadas as carências e interesses que podem ser explicitados
pelas ideias, métodos e formas de representação da disciplina história. É
também à vida prática que o conhecimento histórico retorna a cumprir sua função
de orientação temporal. Essa interlocução produz-se e reproduz-se na e pela cultura
histórica.
Segundo
Rüsen (2009), a cultura histórica é uma categoria de análise que permite
compreender a produção e usos da história no espaço público na sociedade atual.
Trata-se de um fenômeno do qual fazem parte o grande boom da História, o
sucesso que os debates acadêmicos têm tido fora do circulo de especialistas e a
grande sensibilidade do público em face do uso de argumentos históricos para
fins políticos. Desse processo, fazem parte também os embates, enfrentamentos e
aproximações entre a investigação acadêmica, o ensino escolar, a conservação
dos monumentos, os museus e outras instituições, em torno de uma aproximação
comum do passado. Assim, para Rusen (2009), a cultura histórica articula os
diferentes elementos e estratégias da investigação acadêmica, da estética, da
política, do lazer, da educação escolar e não escolar e de outros procedimentos
da memória histórica pública. Segundo este autor, ela é quinta-essência das atividades e instituições sociais, pelas
quais e nas quais acontece a consciência histórica (RÜSEN, 2014:101). Isto
é, no âmbito da cultura histórica da qual faz parte a vida prática, é que
acontecem os modos de atuação da consciência histórica. Nessa direção, a categoria da cultura
histórica teorizada por Rüsen aponta a consciência histórica como uma realidade elementar e geral da
explicação humana do mundo e de si mesmo, com um significado inquestionável
prático para a vida, propondo que da consciência histórica
há somente um pequeno passo à cultura histórica. Se se examina o papel que tem
a consciência histórica na vida de uma sociedade, aparece como uma contribuição
cultural fundamentalmente especifica que afeta e influi e quase todas as áreas
da praxis da vida humana. Assim, a cultura histórica pode ser definida como a
articulação prática e operante da consciência histórica na vida de uma
sociedade. Como praxis da consciência tem a ver, fundamentalmente, com a
subjetividade humana, como uma atividade da consciência, pela qual a
subjetividade humana se realizada na prática, cria-se, por assim dizer. (RÜSEN,
2009, p.4).
Na perspectiva ruseniana,
a intrínseca relação entre consciência histórica e vida prática remete,
necessariamente, à compreensão de como a ação humana no presente está matizada
pelas determinações das diferentes dimensões da cultura histórica: a dimensão
cognitiva, estética, política, ética e moral, dependendo da abrangência dessas
dimensões na formação da consciência histórica dos agentes. Assim, uma análise
da relação entre a formação da consciência histórica com a vida prática de
jovens pode levar em consideração o significado que tem determinados
acontecimentos, como as manifestações de rua, nesse processo, particularmente
quando estas manifestações têm como horizonte reivindicações de direitos
básicos relacionados à vida prática dos sujeitos.
Manifestações de rua e vida prática dos jovens
As manifestações de rua que ocorreram no Brasil, em junho de 2013, fazem parte do conjunto de manifestações que vem acontecendo desde 2011 em vários países do mundo. Apesar de suas peculiaridades, essas manifestações apresentam formas de luta semelhantes e consciência de solidariedade mútua, particularmente sob forma de uma catarse política protagonizada pela juventude, ocorrendo uma sincronia cosmopolita febril e viral com uma sequência de rebeliões quase espontâneas surgidas na margem sul do Mediterrâneo e que logo se manifestaram na Espanha, com os Indignados da Puerta del Sol, em Portugal, com a Geração à Rasca,e na Grécia, com a ocupação da praça Syntagma. Em todos os países houve uma mesma forma de ação: ocupação de praças, uso de redes de comunicação alternativas e articulações políticas que recusavam o espaço institucional tradicional. (CARNEIRO, 2013:8).
Manifestações de rua e vida prática dos jovens
As manifestações de rua que ocorreram no Brasil, em junho de 2013, fazem parte do conjunto de manifestações que vem acontecendo desde 2011 em vários países do mundo. Apesar de suas peculiaridades, essas manifestações apresentam formas de luta semelhantes e consciência de solidariedade mútua, particularmente sob forma de uma catarse política protagonizada pela juventude, ocorrendo uma sincronia cosmopolita febril e viral com uma sequência de rebeliões quase espontâneas surgidas na margem sul do Mediterrâneo e que logo se manifestaram na Espanha, com os Indignados da Puerta del Sol, em Portugal, com a Geração à Rasca,e na Grécia, com a ocupação da praça Syntagma. Em todos os países houve uma mesma forma de ação: ocupação de praças, uso de redes de comunicação alternativas e articulações políticas que recusavam o espaço institucional tradicional. (CARNEIRO, 2013:8).
O filósofo Michael Löwy entende que a presença dos jovens nas diferentes
manifestações contemporâneas é fruto de um sentimento de injustiça e
insatisfação que existe na sociedade e os jovens são os primeiros a se
organizar e protestar porque eles são mais influenciados pela indignação com a
ordem das coisas no mundo, o começo de
qualquer movimento ou mudança social sempre se dá com um estado de espírito
indignado, a começar na juventude. É fácil de entender o porquê de tanta
indignação. Estamos numa situação em que a ordem social parece cada vez mais
irracional, promovendo desigualdades gritantes, promovendo os excessos do
mercado financeiro, a destruição do meio ambiente. (LÖWY, 2011:14). Em uma sociedade em que a representação
política está nas mãos de setores mais tradicionais, os jovens não se sentem
representados e manifestam grande desconfiança em relação aos partidos e
instituições políticas existentes. Ademais, decepcionados com as formas de
protesto tradicionais, os jovens buscam novas formas de organização como a
comunicação através dos meios eletrônicos, como o Facebook e o Twitter, que
permitem uma mobilização mais rápida.
Apesar de semelhanças com os movimentos de outros países, o junho
brasileiro de 2013 teve características próprias, podendo ser considerada uma
insurgência democrática em favor do reconhecimento de novas identidades sociais
e de direitos de participação na vida pública, pela juventude. Nesse movimento,
vários fatores se entrelaçaram durante as
semanas que trouxeram perplexidade a sociedade brasileira. Do início até
meados de junho de 2013 houve várias manifestações com reivindicações claras:
contra o aumento das passagens dos transportes públicos, liderada pelo MPL
(Movimento da Passagem Livre) e contra os gastos com a copa do mundo. No dia 13
de junho, a forte repressão policial que ocorreu em diferentes cidades
brasileiras, despertou uma empatia em grande parte da população, que se
transformou em desejo de participação e a oportunidade de tomar as ruas
aparecia como uma maneira de afirmar o direito à manifestação e à liberdade de
expressão.
O slogan “Vem prá rua,vem”
cuja apropriação de uma campanha publicitária gerou controvérsias nos meios de
comunicação, tornou-se a palavra de ordem dos jovens. Como
afirma Brant (2014:34), foi sensação de
tomar a história nas mãos e de gritar para ser ouvido que levou a população às
ruas. E os gritos foram representados em palavras contra a corrupção, a
defesa da saúde e da educação pública de qualidade, como o slogan “Queremos
educação e saúde padrão FIFA”, numa alusão às exigências que a FIFA estava
fazendo com relação à qualidade dos estádios de futebol para a copa do mundo no
Brasil. Do dia 14 até 21 de junho, a esses temas se somou um discurso cívico,
representado pela afirmação dos símbolos nacionais, particularmente a bandeira
brasileira, utilizada como representação da afirmação das diferentes
identidades presentes nas manifestações, nas quais, uma das ausências mais
expressiva foi a da representação dos grandes partidos políticos, além das
reivindicações de cunho econômico, como afirma Brant é notável, por exemplo, que as questões econômicas que deflagraram
manifestações em outros países tenham ficado de fora da pauta no Brasil. De
maneira geral, a situação econômica era boa, a democracia predominava, o que
torna ainda mais surpreendente o volume que as manifestações ganharam. (BRANT,
2014:35).
Segundo sociólogos brasileiros, a juventude que participou dessas manifestações pode
ser considerada, em sua maioria, como ‘os
filhos da geração inserida”, os mais de 40 milhões de brasileiros que passaram a ter poder de
consumo e cobram mais direitos,
Os adolescentes crescem com acesso ao consumo e a um volume de
informações inédito por conta da internet. E a elite continua presa às
categorias do passado. Tivemos mudanças na economia, mas não alteramos a nossa
mentalidade. Um exemplo são os jovens dos rolezinhos, que não acionam os
partidos políticos, mas agem politicamente ao invadirem os templos de consumo,
antes vedado a eles. Esses adolescentes vindos das comunidades não são vistos
como legítimos em alguns espaços. A elite reage horrorizada aos rolezinhos, que
são apenas a entrada dos jovens das periferias urbanas nos shoppings. (JARDIM,
2014:28).
Entende-se, dessa forma, que buscar conhecer a consciência histórica dos
jovens pode ser uma forma de ouvir o que eles têm a dizer e também procurar
entender como, da juventude, pode estar nascendo uma reinvenção da categoria
política.
Percurso Metodológico
Optou-se pela metodologia da pesquisa de cunho qualitativo, recortada a
partir do estudo de um caso específico. Trata-se de um grupo de jovens
estudantes de uma escola secundária pública, localizada na periferia da cidade
de Curitiba, Paraná. Essa escola tem cerca de 930 alunos, distribuídos entre o
6º. e o 9º ano do ensino fundamental e os três anos do ensino médio. O ensino
fundamental funciona nos períodos da manhã e tarde e o ensino médio, no período
noturno. Assim, a investigação foi realizada durante o mês de abril de 2014,em
uma classe com 38 alunos do
3º. Ano e 20 alunos do 1º. Anodo ensino médio noturno, o que aponta uma das
características dos alunos investigados que é o fato de serem alunos
trabalhadores, na faixa etária entre 16 e 22 anos. Esses alunos trabalham,
principalmente, em atividades de prestação de serviços, tais como atendentes de
supermercados, ajudantes de obras na construção civil e também no ramo da
informática.
Quadro 1:
Identificação dos sujeitos da investigação:
3º
ANO DO ENSINO MÉDIO 1º ANO DO ENSINO MÉDIO
IDADE No. DE ALUNOS N. DE ALUNOS
22
01xx
21
03xx
19 01xx
18
06xx
17
07
02
16
14xx
15 xx 04
14
xx
09
Não
Responderam 07 05
TOTAL 38 20
|
Fonte: as autoras (2014)
O instrumento de investigação foi aplicado pelo professor da turma
e tinha uma abertura com os seguintes dizeres Caro jovem, estamos realizando uma pesquisa sobre como os jovens de
vários países estão compreendendo as manifestações e os conflitos que elas têm
produzido. A nossa parte é saber como os jovens brasileiros pensam isso. E
escolhemos você para dar sua opinião. Agradecemos muito a sua colaboração para
a nossa pesquisa. A primeira parte do instrumento, com questões fechadas,
constava de perguntas sobre a identificação do jovem,uma questão sobre sua
participação em manifestações e uma indagação sobre o que ele achava do
conhecimento histórico: Acha importante aprender História para......O
objetivo principal era detectar a relação dos jovens com a participação nas
manifestações e o que significava aprender História para ele.
Quadro 2: Relação dos jovens com a participação nas manifestações.
PARTICIPA:07
NÃO PARTICIPA: 46
NÃO RESPONDEU:01
TOTAL:58
|
Fonte: as autoras (2014)
É importante destacar que alguns jovens complementaram suas respostas
com algumas considerações:
- Não participei pois meus pais não deixaram, gostaria muito de ter participado, mas eles disseram que poderia ter tumulto e poderiam me machucar. (Jovem do 3º.ano, 16 anos)
- Não participei porque tenho que trabalhar (jovem, 3º. Ano, 18 anos).- Não tive chance, mas gostaria (jovem, 1º. Ano, 14 anos)- Não participei, mas participarei. (jovem, 1º ano, 14 anos)
As considerações apresentadas são indiciárias de que, mesmo respondendo
que não participaram, alguns jovens tinham ou têm intenções de participar de
manifestações. Há também evidências de que o fato de não terem participado das
manifestações não impediu que, em suas narrativas, os jovens apresentassem
opiniões favoráveis à sua realização. Apenas um, entre os 58 jovens
participantes, apresentou de maneira explícita em sua narrativa, uma indiferença
à realização de manifestações, afirmando que
- Não estou nem aí para as manifestações, mas gosto que as passagens baixem. (jovem, 1º. Ano, 14 anos).
Com relação à pergunta Para você,
aprender História é importante para...., os resultados mostraram um
equilíbrio entre aqueles que respaldam a importância da aprendizagem no conhecimento do passado pelo passado, do
passado para interpretar o presente, para interpretar o presente e projetar o
futuro, para interpretar a mudança e a importância de se conhecer o passado
para trazer exemplos para o presente e o futuro.
Quadro 3 – Significados da aprendizagem histórica para os jovens
SIGNIFICADO DA HISTÓRIA
|
NÚMERO
|
Estudo do passado pelo passado
|
12
|
Estudo do passado para entender o presente
|
09
|
Estudo do passado para explicar a origem e
evolução
|
05
|
Estudo do passado para explicar as mudanças do
presente
Ex. Para
lembrar o passado que foi muito difícil e refletir sobre as mudanças que
aconteceram no decorrer do tempo.(s/id)
|
07
|
Estudo do passado para tirar exemplos para o
presente
|
09
|
Estudo da relação passado/presente e futuro para
entender a mudança e orientar a ação.
Ex.
Entender toda a garra de nossos antepassados para seguir lutando para que lá
na frente a gente tenha feito pelo menos um pouco de diferença.(jovem, 16 anos,
3º.ano)
|
07
|
Sem nexo ou não responderam
|
09
|
Fonte: as autoras (2014)
Uma das inferências a serem feitas é a de que na perspectiva da
orientação temporal no fluxo do tempo, o “presentismo” não se destaca como
expressão da consciência histórica desse grupo de jovens. Observa-se um
equilíbrio na presença de uma orientação situada no próprio passado (12
jovens); na relação passado/presente- seja em torno da compreensão do próprio
presente, na explicação das mudanças, em tomar o passado como exemplo para o
presente ou para entender a evolução – 30 jovens. Finalmente, observa-se que 7
jovens expressam uma orientação temporal mais complexa, ao identificarem a
importância de se aprender História para compreender as relações entre
passado/presente e futuro.
A segunda parte do instrumento solicitava aos jovens a produção de uma
narrativa a partir da seguinte orientação, seguida da apresentação de fotos das
manifestações que foram publicadas em jornais do período.
Em junho de 2013 ocorreram várias manifestações em diferentes cidades brasileiras. Observe e analise as imagens e textos que aparecem nos cartazes. Escreva uma narrativa sobre esses acontecimentos.
A principal finalidade era, tendo como suporte o referencial proposto
neste trabalho, responder à problemática – que argumentações os jovens poderiam
construir sobre as manifestações a partir de imagens que representavam esses
acontecimentos e como, por meio de suas narrativas, eles expressariam significados
de orientação temporal? Assim, foram propostas as seguintes imagens:
IMAGEM 1 – Jornal O Estado de São Paulo, segunda feira, 17 de junho de
2013
Legenda: Dicas: Cartilha diz para manifestante não ser violento e usar
tênis confortável para correr
IMAGEM 2 – Jornal Gazeta do Povo, quarta feira, 19 de junho de 2013
Legenda: saques e van queimada: vandalismo marcou o sexto dia de
protesto
IMAGEM 3 – Jornal O
Estado de São Paulo, sexta feira, 14 de junho de 2013
Legenda dos
cartazes: “ Protesto não é crime” e “Sorria, você está sendo explorado
IMAGEM 4 – domingo,
16 de junho de 2013
Legenda do cartaz:
Nossos sonhos valem mais que 0,20 centavos.
Resultados
Para análise dos dados buscou-se a referência na Grounded Theory. As
categorizações foram construídas em um movimento de mão dupla. De um lado, elas
foram inferidas a partir dos resultados obtidos, por meio de um processo
analítico em que os conceitos foram identificados e analisados a partir de suas
próprias dimensões e propriedades. De outro lado, na esteira do referencial
teórico adotado, as categorizações foram afinadas e aprofundadas.
Quadro 4 – Significados atribuídos pelos jovens às manifestações de
Junho de 2013
SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS
|
NÚMERO
|
Forma de luta no passado, presente e futuro
|
07
|
Forma de luta do protagonismo dos jovens pelas
mudanças
|
08
|
Forma de luta histórica da população
|
05
|
Forma de luta da população pelos seus direitos e
pelas mudanças
|
34
|
Movimento de cidadania
|
01
|
Movimento contra o governo do PT (Partido dos
Trabalhadores)
|
01
|
Nem liga para as manifestações
|
01
|
Fonte: as autoras (2014)
O saldo das narrativas produzidas pelos jovens indica uma adesão às
manifestações como um movimento legítimo e justo, sendo que em nenhuma das
narrativas apareceu uma rejeição a esse tipo de participação política. A
perspectiva da relação presente/passado/futuro apareceu de forma relativamente
expressiva, podendo ser exemplificada pela ideia contida nesses trechos
-Muitos sofreram e muitos sofrerão mas o que importa é a luta que dura dia a dia. O governo sobe a tarifa dos transportes mas nosso salário não sobe.(s/id.18 anos, 3º. Ano)-As manifestações têm significado para o passado, o presente e o futuro do meu país porque vamos saber nossos direitos e correr atrás do que é nosso. O transporte coletivo, o valor da tarifa está muito caro e ainda precisa ser reajustada para menor ainda. As manifestações vão continuar porque a população é maior que muitos políticos. (...) A presidente Dilma contratou médicos de Cuba para trabalhar no Brasil, muitas coisas têm que mudar no Brasil, tem muito roubo dos políticos. (André, 17, 3º ano)
Além de serem consideradas legítimas,
as manifestações também foram vistas como formas históricas de luta do povo
brasileiro, cujo significado na vida da nação é considerado maior do que o de
muitos políticos. Ademais, elas representariam uma forma de protagonismo dos
jovens na realização das mudanças necessárias ao país
Foi uma coisa que mexeu com todo o país. Essas manifestações, na minha opinião, mexeram tanto com o país de uma forma que mobilizou o país todo. Ninguém imaginava que poderia ter a proporção que acabou tendo. Essas manifestações cresceram de uma forma tão grande que em cada estado do Brasil as pessoas reivindicaram uma coisa e mostrou o tamanho do jovem no Brasil. Na minha humilde opinião isso irá ser lembrado por muito tempo e nunca se esquecerão que o jovem tem voz. (William, 16 anos, 3º ano)
A ênfase nas manifestações como
forma de luta para mudança e reivindicação dos direitos predominou em 34 das
narrativas produzidas. Cabe ressaltar que, quando os jovens falam em direitos, indicam determinadas
carências da vida prática, como transporte público de qualidade, educação,
saúde pública e contra a corrupção. Não há nenhuma referência a demandas
relacionadas com direito à democracia, liberdade ou participação política, o
que leva a concluir que, no atual contexto da sociedade brasileira, esses
direitos estão acessíveis aos jovens
O povo está reivindicando os seus direitos, como cidadãos brasileiros, contra a corrupção, para uma melhoria na saúde, segurança etc. Isso irá refletir no ensino das futuras gerações. Afinal, estamos vivendo um momento histórico de nosso país. Muitos acham que esses protestos não tem validade, mas isso é um pensamento tolo, pois nosso país acordou para a realidade, pena que muitos não saibam protestar e acabam fazendo vandalismo e com isso acabam dando outra cara para as manifestações. Enfim, em minha opinião, as manifestações vão ter muitos retornos bons e nossos filhos vão saber que um dia nosso povo é um povo que corre atrás e faz acontecer. (Luiz Fernando,16 anos, 3º. ano).
Apesar das imagens que foram
mostradas aos jovens apresentarem evidências da violência policial contra os
manifestantes, o que foi um dos fatores presentes em todos os dias de
manifestações, apenas 05 narrativas fazem referência a esse fato, exemplos
-As manifestações que ocorreram em 2013 foram muita violência. Muitos sabiam protestar adequadamente mas muitos não sabiam fazer protestos, queriam levar na grosseria, querendo tudo que viam pela frente, maltratando e machucando muitas pessoas, como os PM. (...) Daqui para frente vai haver mais protestos sim e vão se repetir as cenas de violência no povo e com as pessoas, ou até coisa pior. (s/identificação)
-Na verdade, boa parte da história tem indícios de manifestações e toda manifestação tem um porquê. No caso das manifestações que ocorreram no Brasil, boa parte dos jovens saíram às ruas para reivindicar os seus direitos e eles pediram coisas relativamente simples para o governo. Apenas o reajuste das passagens do transporte público, mais investimento na saúde e na educação e também que o governo parasse de usar o dinheiro público indevidamente. Como, por exemplo, investir na Copa do Mundo de 2014, enquanto o país inteiro estava precisando de hospitais, escolas e transporte público de qualidade. Como pode um país sediar a Copa do Mundo, um evento tão grandiosa, com tanta criminalidade, transporte insuficiente, enquanto estão investindo em coisas banais. Sem contar que, quando ocorreram as manifestações, muitos dos nossos policiais militares abusaram do seu poder e começaram a atirar e tentar paralisar as manifestações com spray de pimenta, isso é um absurdo. E como nós queremos sediar a Copa sem um treinamento específico dos policiais? Deter jovens por porte de vinagre? Em que país nós vivemos? (Jennifer Souza, 14 anos, 1º. ano)
-As manifestações mostram que o povo está tentando mudar a cara do nosso país, para ter mais direitos porque nosso país só dá direitos para os políticos eu roubam dinheiro do povo brasileiro, dinheiro que deveria ser usado para construir mais hospitais, mais escolas, e esses políticos não são presos ou são presos mas conseguem sair muito rápido da cadeia. Isso é uma vergonha para o país.. E a polícia deveria proteger o povo que vai para manifestar seus direitos, não, eles batem em que está ajudando a garantir os direitos deles também, como mostram as imagens dos dias 14/06/13 e 21/06/2013. Acho que essas manifestações vão ajudar muito no futuro do nosso país. (s/id.)
Finalmente, cabe destacar que,
embora no próprio enunciado do instrumento que foi entregue aos jovens
constasse indicação para que eles observassem as imagens relativas às
manifestações de Junho de 2013, somente 09 narrativas indicaram uma referência
à essas fontes, como pode ser observado em alguns exemplos
-Bom, porque o passado já foi muito corrupto e isto está acontecendo no presente, no agora, ainda mais no agora. Pois não podemos mudar o passado, mas podemos mudar o presente e o futuro. Como diz uma das fotos, não era por “20 centavos”, mas sim pela dignidade, direitos e outras coisas. Chega de corrupção, nós queremos um novo Brasil, uma nova história e eu acho que as manifestações significam que podemos mudar é só lutarmos por nossos direitos, para um país melhor. (s/id.)
-No passado, muitas coisas mudaram com a luta do povo e essas manifestações só são uma continuação do que está acontecendo e do que está por vir. Não prática não mudou muita coisa, mas fez com que o povo expressasse seus pensamentos e opiniões. Podemos ver nas imagens que a maioria dos manifestantes são jovens querendo um futuro melhor. E alguns pais querendo mudar o futuro para os filhos, como mostra a imagem do dia 21/06/2013. O povo havia acordado. E começaram a ver que havia muito dinheiro sendo gasto em coisas desnecessárias, e o que é prioridade estava ficando muito para trás. Na minha opinião, na prática, não mudou nada com as manifestações, somente na teoria. E o governo continua rindo de nossa cara e sambando nos nossos bolsos. Mas acho as manifestações de extrema importância, nós povo, somos a maioria, uma hora ou outra “eles” vão ter que ceder. (Juliana, 17, 3º ano)
-Porque as manifestações acabam por ser marco na história do Brasil, como a busca pelos direitos sociais que despertaram de maneira surpreendente o povo brasileiro, sendo a maioria jovens que buscavam melhores condições de educação, saúde e infraestrutura. (...) Foi o estopim porque já tinha tanta reclamação principalmente do governo pela sua má administração do dinheiro público. Na frase do dia 20/06/2013 fala assim: O GIGANTE ACORDOU, mas logo voltou a dormir com o calmante que os políticos deram na forma de promessas e mal cumpriram algumas e o povo já ficou satisfeito. (Claudio, 16, 3º. ano)
Algumas questões podem ser
inferidas, analisando-se a forma pela qual estes jovens interpelaram as imagens
propostas. Apesar de tê-las utilizado como referência para justificar suas
opiniões, eles o fizeram indicando contradições que se seguiram após as
manifestações, como se observa na fala de um jovem:em minha opinião, na prática não mudou nada.....mas acho as
manifestações de extrema importância. Ou, O Gigante Acordou, mas logo voltou a dormir com o calmante que os
políticos deram na forma de promessas. Conclui-se que, ao produzirem
inferências a partir das fontes, os jovens o fizeram seletivamente e
criticamente.
Considerações
No que diz respeito às
manifestações como expressão da relação da consciência histórica dos jovens com
a sua vida prática, uma primeira consideração a fazer é que, independentemente
de terem ou não participado das manifestações do Junho de 2013 ou de optarem ou
não pela participação em manifestações, os jovens do caso analisado aprovam, em
sua maioria, as manifestações como uma forma legítima de participação política.
Essa perspectiva indica uma semelhança entre as manifestações brasileiras e
aquelas que vêm ocorrendo em outros países desde 2011, ou seja, uma revolta e recusa às
formas de participação política tradicionais, nas quais os jovens já não se
sentem mais representados. Assim, a ocupação de ruas e praças é uma das
características encontradas nesses movimentos, inclusive no Brasil, em que o
slogan “Vem para a rua. Vem!” foi amplamente utilizado.
Outro aspecto indiciário da
semelhança entre as várias manifestações são os
sentimentos de injustiça e
insatisfação, que podem ser inferidos das narrativas dos jovens brasileiros e
tem estado presente também nas outras
manifestações. É válido afirmar que, em sua quase maioria, os jovens
manifestantes brasileiros podem ser considerados “filhos da geração incluída”
no consumo e no acesso à informação pela internet. Essa inclusão não tem sido
acompanhada, na sociedade brasileira, pelo acesso a direitos como transporte
público, saúde e educação pública de qualidade. A esse sentimento pode ser
somado uma revolta contra a violência policial que tem transformado as
manifestações em verdadeiras praças de guerras, fato recorrente nas
manifestações brasileiras.
Por outro lado, as narrativas dos
jovens minimizaram referências a reivindicações de cunho econômico, como o
direito ao emprego e o combate à crise econômica, corroborando a análise feita
por Brant (2014) de que as questões econômicas que deflagraram manifestações em
outros países tenham ficado de fora da pauta no Brasil.
Na análise das narrativas
históricas como expressão da consciência histórica dos jovens, no que tange ao
significado das manifestações como função de orientação temporal na sua vida
prática, algumas considerações merecem destaque. Quando se faz o cotejamento
entre o significado que eles dão à aprendizagem histórica e o
significado histórico atribuído às manifestações, deduz-se uma certa
contradição. Em uma grande maioria de narrativas, 34 no total, as manifestações
são forma de lutas reivindicatórias por mudanças que fazem parte do passado, do
presente e farão parte do futuro do povo
brasileiro. No entanto, quando inqueridos sobre o significado da aprendizagem
histórica, apenas 07 a articularam com a necessidade de se conhecer a relação
passado/presente e futuro, evidenciando uma desarticulação entre o conhecimento
histórico aprendido e as demandas ou carências da vida prática.
Essa contradição pode ser
indicativa do que Rüsen (2014) chama do modo funcional de atuação da consciência histórica, em que a consciência
histórica está embutida na própria realidade
social, nos procedimentos e instituições,
nos quais os seres humanos recebem seu cunho cultural ou – recorrendo a uma das
metáforas prediletas das atuais ciências culturais – nos quais ele é
“construído”.(RÜSEN,2014:100). Ao narrarem um acontecimento que vivenciaram
num passado próximo, os jovens expressaram sua consciência histórica muito mais
a partir de experiências de vida do que a partir da sua articulação com as
ideias e métodos da ciência da história. Revelador disso é o fato de que apenas
09 jovens recorreram às fontes (imagens) para elaborar argumentações e
opiniões. Esses jovens interpelaram e problematizaram as fontes, o que pode ser
considerado um modo reflexivo de atuação da consciência histórica em que há um posicionar-se consciente em relação à
experiência do passado. (RÜSEN, 2014:101).
À guisa de consideração final,
conclui-se que a investigação permitiu
conhecer elementos da consciência histórica dos jovens, bem como fazer uma avaliação preliminar de formas de atuação
de sua consciência histórica em relação
às demandas da vida prática. Ao ouvir os jovens, pode ser inferido que, ao
contrário das forças policiais, para quem as manifestações são uma forma de
guerra e, por isso, devem ser duramente reprimidas, para os jovens, as
manifestações são uma forma de reinventar a política e recriar a sociedade,
solidária e libertariamente.
REFERÊNCIAS
BRANT, João. (2014) Um ano depois
de junho. In. Jornal Le Monde
Diplomatique Brasil. Ano 7, N.83, p.34-35.
CARNEIRO, Henrique Soares. (2013)
Rebeliões e ocupações de 2011. In. OCCUPY.
Movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo/Carta
Maior, p.7-14
JARDIM, Maria Chaves (2014). Entrevista ao Jornal Caros Amigos. São Paulo:
Jornal Caros Amigos. A política em xeque.
Ano XVII, n.207, p.24-28.
LEE, Peter.(2006) Em direção a um
conceito de literacia histórica. In. Educar
em Revista. Dossiê Educação Histórica. Curitiba: Editora da UFPR, número
especial.
LÖWY, Michael. (2011) O
transbordo do copo de cólera. In. Jornal
O Estado de São Paulo. Suplemento
Aliás. Domingo, 13 de novembro, p.14
RÜSEN,
Jörn. (2009). "¿Qué es la
cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la
historia". [Unpublished Spanish version of the German
original text in K. Füssmann, H.T. Grütter and J. Rüsen, eds. (1994). Historische Faszination.
Geschichtskulturheute. Keulen, Weimar and Wenen: Böhlau, pp. 3-26].
RÜSEN, Jörn.(2001) Razão
Histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica.
Brasília: Editora da UnB.
Olá,
ResponderExcluira respeito da proposta de análise de imagens feita aos participantes da pesquisa. Gostaria de saber se autora concorda que a relativa recusa dessas fontes (verificada nas narrativas construídas pelos estudantes) está relacionada a uma crise de credibilidade da imprensa convencional. Observo que estão em curso novas formas de relação dos leitores com o conteúdo jornalístico, a partir das chamadas redes sociais. Qual foi o formato de apresentação das imagens?
Desde já, obrigado.
Prezada professora,
ResponderExcluirMaria Auxiliadora M.S.Schmidt
Parabéns por sua incansável luta em estabelecer no Brasil o status das pesquisas em Didática da História e também da Educação Histórica, e por militar para que o profissional dessa área assuma esses campos de investigação.
Ao efetivar uma pesquisa que visa a relação da consciência histórica com a vida pratica dos sujeitos envolvidos nas manifestações de 2013, eu me ponho a indagar o quanto estamos longe como professores de história das reais carências de orientação dessa geração. Temo que no ensino de história, não estamos dando atenção devida a essas carências que tem motivado milhares de jovens de forma consciente e inconsciente a saírem nas ruas para reivindicar direito e cidadania.
Em sua opinião o que se pode fazer para relacionar o currículo de História (estabelecido) da Educação Básica com a vida prática dos jovens escolares? Como o ensino de História no Brasil pode lidar com as demandas de carências de orientação dos nossos jovens?
Max Lanio Martins Pina
Deve-se fazer uma reformulação desde o ensino médio, pois os alunos não estão reconhecendo a história como começo de tudo, sabemos que toda prática começou a partir de um momento histórico.Um exemplo é as diretas já, tudo começou com grandes manifestações dos caras pintadas.
ExcluirMarlene Gomes de Oliveira
Olá Marlene, acredito que tudo vem da história, pois, como por exemplo, as grandes corrupções da política não existe somente agora são fatos que acontecem a muito tempo. Os jovens de hoje, têm que ficar atentos ao que está acontecendo, pois o seu futuro depende daquilo que está sendo discutido e resolvido hoje.
ResponderExcluirRosilene Moreira de Ananias
Como fazer uma reformulação a partir de um momento histórico exemplo das diretas já , e porque os jovens de hoje devem ficar atentos o que esta acontecendo no Brasil porque o seu futuro depende do que esta sendo resolvido hoje , e como ter um bom aprendizado histórico para inserir na vida e na prática?melania presa da silva
ResponderExcluirEu particularmente entendo que é importante se fazer esta reformulação pois, a história sendo algo tão importante no desenvolvimento do país e do mundo, não esta sendo vista com a importância que a mesma possui e em virtude disto, está havendo um retrocesso em muitos segmentos da sociedade, e só os jovens que estão ai se formando e vendo certos acontecimentos pode fazer algo diferente.
ExcluirMarlene Gomes de Oliveira
Como trabalhar, na disciplina de história, as manifestações sociais do jovens "2013" à partir de uma consciência histórica?
ResponderExcluirApós as manifestações dos Jovens (2013), como o ensino de história poderia contribuir na promoção de mudanças significativas na sociedade?
ResponderExcluirPenso que o seguinte trecho deveria ser melhor explicado:
ResponderExcluir"Cabe ressaltar que, quando os jovens falam em direitos, indicam determinadas carências da vida prática, como transporte público de qualidade, educação, saúde pública e contra a corrupção. Não há nenhuma referência a demandas relacionadas com direito à democracia, liberdade ou participação política, o que leva a concluir que, no atual contexto da sociedade brasileira, esses direitos estão acessíveis aos jovens".
Não é muito simplista afirmar que os direitos civis e sociais estão assegurados aos jovens brasileiros?
Por mais que os jovens tem se manifestado, reivindicado mais, me preocupa o fato de muitos não possuírem consciência histórica crítica. Vimos recentemente muitos deles pedindo a volta da Ditadura Militar sem noção do que isso causou, as torturas, mortes e tudo mais. O que a professora tem a dizer sobre os jovens reivindicarem a volta de algo muito ruim do nosso passado como a solução para os nossos problemas hj? Noeli
ResponderExcluirPresenciamos diversas manifestações seja a nivel nacional quanto mundial, em diversos itens de questionamentos, seja na area da saude, educação, emprego, sinal de que as atuais conjunturas sociais não inspiram anseios, confiança necessaria. Por que ha sempre um maquiamento por parte de nossos representantes, um hesitamento por mudanças, aonde iremos parar, que caminhos tem que ser tomados para que haja uma conscientização para mudar, transformar? Cesar Marcelo Droval.
ResponderExcluirVerdade Cesar o que estamos vendo são diversas manifestações a nível nacional e mundial em diversas áreas, mas sem um fio condutor real, estão agindo de qualquer maneira, porque nem nossos representantes que elegemos, colocamos lá estão nos representando com dignidade, o que estes jovens vão esperar desse pais? As coisas tem tendencia de um retrocesso e não de avanço.
ExcluirMarlene Gomes de Oliveira
ResponderExcluirPergunta: As manifestações de rua que vêm acontecendo no país são exemplos de que a sociedade quer marcar seu posicionamento de insatisfação com a atual conjuntura ética/moral da política brasileira. Ao negar essa realidade (das manifestações), os governos vão isolar-se e definhar. Porém, é possível questionar a validade dessas manifestações do ponto de vista do grau de maturidade social. Os jovens vão insistir nesse tipo de protesto ou a tendência é apenas modismo? Os grupos políticos irão se manifestar?
Fabíola Elisa de Araújo
Observando todo o cenário vivido no Paraná, no Brasil e no mundo e sabendo do papel que o jovem exerce em nossa sociedade é possível afirmar que estes estão realmente buscando reivindicar seus direitos pautados num histórico de lutas ou apenas participa de atos para fazer parte de grupos?
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