Amauri Santos

PERCORRENDO OS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA:
APONTAMENTOS SOBRE SUAS DIMENSÕES E USOS NA PESQUISA HISTÓRICA
Amauri Junior da Silva Santos
UFMT


O número de pesquisas que se debruçam sobre os livros didáticos aumenta vertiginosamente, desde a década de 1980, como então sugere Emmel e Araújo (2012).  Esse tipo de pesquisa, tendo como foco o livro didático, pode assumir dimensões variadas. Assim, os manuais podem ser analisados enquanto tema, objeto e fonte, sob diferentes perspectivas metodológicas e teóricas.

No que diz respeito às pesquisas no campo das Ciências Humanas e Sociais, obtivemos debates frutíferos nas últimas duas décadas. Podemos apreciar esse movimento também no campo da história: Kazumi Munakata (1997), Circe Bittencourt (2004), Anderson Oliva (2007), Alexandra Lima (2012), Osvaldo Rodrigues Junior (2010), entre tantos outros pesquisadores, dedicaram-se a compreender a rica teia de elementos relacionados ao livro didático de história.

Nossa intenção nesse artigo é demonstrar as dimensões e perspectivas que o livro didático pode assumir na pesquisa histórica. Para isso, trouxemos como exemplo o trabalho desenvolvido, durante os anos de 2012 a 2013, no Projeto de Iniciação Cientifica (PIBIC), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

A Virada teórico-metodológica e a inclusão dos livros Didáticos na Pesquisa Histórica
Segundo José Ricardo Oriá Fernandes (2005), a produção historiográfica brasileira, a partir do final da década de 1970, passou por reformulações conceituais e metodológicas, sob a influência das novas tendências lançadas pela Nouvelle Historie e pela História Social Inglesa, principiando, assim, uma nova forma de fazer história que passou a eleger temas que eram, até então, desprezados pela dita “História oficial”. Desse modo, o imaginário, as representações, a vida social e privada passaram a fazer parte do horizonte de interesse dos historiadores. Essa mudança pode ser percebida sobretudo no campo da História da Educação, com o dilatamento dos temas pesquisados:

“Essa renovação teórico-metodológica se fez sentir, também, no âmbito da História da Educação com a introdução de novos temas e objetos de pesquisa, a saber: a história do ensino e a constituição das disciplinas escolares, o livro escolar e as práticas de leitura, as questões relacionadas ao gênero, à infância e aos grupos étnicos, entre outros (FERNANDES, 2005; p. 121).

É sob essa nova perspectiva teórico-metodológico que o livro didático conquistou protagonismo nas pesquisas na História da Educação. Há, contudo, uma série de apontamentos necessários a serem feitos. O primeiro é que o livro didático, como qualquer outro documento, tem historicidade. Ele é escrito por e para alguém num determinado contexto histórico-social, e isso implica em diferentes narrativas que poderão estar contidas nesses manuais, bem como sua produção/distribuição também não é isenta de uma série de interesses políticos, sociais, ideológicos e econômicos do mercado editorial.

É nesse sentido que entendemos os livros didáticos como espaços privilegiados de disputas políticas de constituição de identidades. Nele, é possível vermos diferentes personagens e modelos de interpretação em jogo, assim como o currículo, o livro didático é lugar, espaço e território de batalhas de interpretações. (Cf. RIBEIRO, In: JESUS et al, 2007, p. 42-43)

Para historiadores como Hobsbawm (2005), a história é matéria-prima para as ideologias nacionalistas, étnicas, fundamentalistas, identitárias e outras. O passado, assim, transforma-se em elemento essencial nessas ideologias, pois ele legitima e fornece o pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito que comemorar.

Os livros didáticos como fonte de pesquisa são fundamentados na razão desses constituírem, dentro da cultura escolar, o principal instrumento de trabalho de professores e alunos na sala de aula. Segundo Kátia Abud (1984), o livro didático é o material de apoio dos professores que vêm utilizando-o como canal de transmissão de conhecimento, já que encontramos neles os conteúdos sistematizados. Embora seja objeto de avaliações contraditórias dentro e fora do espaço acadêmico e escolar, o livro didático, todavia, constitui-se, como sugere a historiadora Circe Bittencourt, como o principal referencial básico dos professores.

O historiador Marc Ferro (1981) defende a ideia de que as leituras e as mídias de massa influenciam na construção das imagens e valores que fazemos de um grupo na sociedade moderna. Ferro entende que essa representação, a imagem do outro, é uma descoberta do mundo, do passado e das sociedades feitas por esse sujeito histórico. E é através dela que construímos nossos referenciais de mundo. Contudo, devemos acentuar que, embora o agente social seja receptor desses conteúdos, ele é capaz de selecionar, rejeitar ou até mesmo modificar essas informações.

No texto “História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte”, de Alain Chopin (2005), o autor nos informa que o livro didático pode assumir diferentes funções na pesquisa da História da Educação, podendo desempenhar a função referencial (constitui-se como referência para a formulação de currículos e programas); função ideológica ou cultural (sendo veículo de valores e ideologias); função instrumental (impondo métodos de aprendizagem); função documental (como fonte e objeto de pesquisas). É sob essa última função que trabalhamos. Assim, o que segue são alguns apontamentos sobre o trabalho realizado nos anos de 2012-2013, nos quais procuramos analisar as representações da história africana e afro-brasileira, após a promulgação da Lei. 10.639/03.

A África nos livros didáticos de História
Qual o lugar destinado à história africana e afro-brasileira nos livros didáticos de história do ensino fundamental II (5a a 8a série) até 2003? Principiar esta seção com a indagação acima talvez seja a ação mais adequada, pois implica criar um axioma sobre as representações desses temas no universo livresco didático – um universo complexo, com variadas percepções e pluralidade de olhares.

Em uma primeira avaliação diagnóstica, verificamos que em alguns livros didáticos, anteriores a 2003, o número de textos destinados a tratar da História africana, quando existentes, era muito inferior se comparado à quantidade dos que tratavam da História da Europa. Outra constatação é que a História da África, em alguns manuais, está sempre ligada ao tráfico negreiro e à História dos africanos e afrodescendentes à escravidão.

Essa ideia leva-nos a crer que a História do continente só começa a existir com a colonização e consequentemente com o tráfico negreiro e a escravidão. Devido a representações e imagens conturbadas, somos levados a uma compreensão errônea da historicidade de África. Somos prisioneiros de uma mentalidade que ainda está embebida de preconceitos e estereótipos quando o assunto em pauta é a História e Cultura africana.

Sob o contexto da implementação da lei 10.639, novos livros didáticos foram editados para contemplar as exigências que a lei promulgava. As editoras habilmente trataram de produzir novos manuais que deveriam estar de acordo com a LDB. É nítido que nos últimos anos os temas ligados à cultura afro-brasileira e à África ganharam espaço nas reflexões e ações dos professores pesquisadores, o que, segundo a Maria de Mello e Souza, pode ser constatado pela proliferação dos cursos de formação de professores voltados para o assunto, por meio da produção de materiais didáticos, elaboração de sites e publicações de literatura infanto-juvenil e adulta (SOUZA, Maria de Mello e, 2012; p. 18).

Nesse sentido, nosso trabalho objetiva analisar e identificar as permanências e as transformações ocorridas nas imagens sobre a História e Cultura do continente africano e das populações afro-brasileiras nos livros didáticos da disciplina de História após a aplicação da lei 10.639/03 que corresponde a um contexto social específico.

Almejamos que nossa discussão sobre este assunto possa contribuir para que alunos, professores e pesquisadores reconheçam a importância dos estudos da História da África em função das suas contribuições ao patrimônio histórico da humanidade, e que afrodescendentes comecem a reconstruir suas referências de identidade, valorizando-se por serem frutos da diáspora e terem herdado desses africanos um arcabouço cultural, social e político rico e especifico. Um capital cultural que se formou a partir da própria constituição do habitus dos negros africanos no Brasil.

Na pesquisa, procuramos analisar quais as representações feitas sobre África e os afro-brasileiros nos livros didáticos do ensino fundamental II (5a a 8a série), através de três níveis de leitura. O primeiro consistia em identificar os assuntos mais recorrentes nos manuais sobre o tema pesquisado, para que, em uma segunda leitura sistematizada, pudéssemos observar como eram apresentados esses conteúdos, pré-analisados, nos livros. E por fim, analisar o emprego de conceitos e imagens presentes no texto didático, relacionando-as às contribuições da historiografia produzida no período de análise do material, através de revisões bibliográficas e teóricas.

Assim, em nossas leituras, observamos que os assuntos mais recorrentes nos manuais eram: África como berço da humanidade; A sociedade egípcia; África antiga e os grandes reinos e impérios; Cultura afro-brasileira: festas; A expansão marítima européia e a África; A sociedade açucareira e mineradora e a escravidão; Resistência, conflitos e revoltas na colônia/império; Religiosidade africana e afro-brasileira; Apartheid; Neocolonialismo; O fim do tráfico negreiro; Abolição da escravatura; Descolonização da África; África pobre ou empobrecida e o Movimento negro no Brasil.



Desse modo, parece não existir África dentro dos outros recortes temporais, a não ser na contemporaneidade e na modernidade. As relações entre sociedades africanas estabelecidas na Idade Média não são marcadas nos livros, embora os manuais destinem um capítulo, em média, a trabalhar sobre as sociedades antigas, cabe ao Egito, a “civilização desenvolvida” o peso de carregar todo continente durante o período da História Antiga, isso se dá em parte pela proximidade que os egípcios tinham com o mundo mediterrâneo.

A historiadora Marina de Mello e Souza (2009), nos fala que durante a Idade Média o ouro extraído das minas localizadas nas regiões próximas as nascentes dos rios Níger e Senegal, juntamente com o sal minerado do deserto eram elementos de uma grande rede de trocas entre populações nômades do deserto do Saara. Trocas, também, de aspectos culturais entre essas sociedades, como bem lembra Mello.

Outro dado importante, ressaltado pela historiadora, que figura a Idade Média africana é a dilatação do islamismo e da cultura muçulmana pelos seus seguidores no nordeste e norte do continente, após a morte de Maomé, em 632.

A antiguidade africana pode ser referida pelo intenso contato, através de relações comerciais, políticas e culturais com outras sociedades do Oriente, além dos fenícios, persas, gregos, romanos e turcos. Para Marina de Mello e Souza, os comerciantes que trafegavam por essas regiões “(...) levavam muito mais que mercadorias e conhecimento, criavam novas possibilidades de troca e davam abrigo a eruditos que queriam conhecer e descrever o mundo” (SOUZA, 2019; p. 174). A presença de viajantes/exploradores no continente datam, como explica Anderson Oliva (2007), de pelo menos treze séculos, desde o século XIV: "Um dos casos mais citados é o do viajante historiador árabe Ibn Khaldun que, entre os séculos XIV e XV percorreu o norte africano deixando conceituada obra – Prolegómenos – sobre determinadas sociedades da região" (OLIVA, 2007; p. 14 N.P).

Embora haja muitas linhas - temáticas para tessitura de uma colcha infinita de narrativas históricas, a África sempre é reiterada durante a idade moderna. Assim, por um longo período de tempo, historiadores entenderam a história africana como sendo a história da escravidão, do tráfego negreiro, da colonização pelos países europeus e em certa medida a história egípcia. Esse último assunto, nos apresenta como um paradoxo, uma vez que, nos manuais didáticos, o Egito está quase sempre pertencente à Europa, fazendo parte do crescente fértil, devido sua íntima ligação com o mediterrâneo.

Ao verificar essas assertivas, é evidente a constatação de que poucas histórias estavam sendo escritas em “muitas páginas”. Vale aqui frisar que quando nos referimos a páginas, não só estamos fazendo analogia aos livros didáticos, mas também a uma complexa rede de percepções mentais que o alunado constrói em referência ao conteúdo estudado nestes manuais.

Assim, cremos que, ao estudar África, é necessário dispor de um caleidoscópio, para enxergá-la fragmentada e, assim, atentar para as especificidades históricas presentes em sua composição. Não compreender o continente de uma forma homogênea é a principal ideia que deveria ser acentuada nos livros didáticos, bem como frisar que África não é sinônimo de escravidão e miséria. Caso esses pequenos pontos fossem assinalados, provavelmente não teríamos as imagens distorcidas sobre o continente.

Referências
BAKKE, Rua Baptista. Na escola com os orixás: o ensino das religiões afro-brasileiras na aplicação da lei 10.639. Tese (Doutorado em Educação) - São Paulo, Universidade de São Paulo, 2011.
BITTENCOURT, Circe. Livros Didáticos entre Textos e Imagens. In BITTENCOURT, Circe (org.), O saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, p. 69-90, 1997 (b).
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
COSTA, Hilton. Para construir outro olhar: notas sobre o ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras. Revista História Hoje. São Paulo, vol. 1, p. 217-239, 2012
CHOPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. In: Educação e Pesquisa, v. 30, nº 3. São Paulo: USP, 2004, p. 549-566.
EMMEL, Rubia; ARAÚJO, Maria Cristina Pandera. A pesquisa sobre o livro didático no Brasil: Contexto, caracterização e referenciais de análise no período 1999 – 2010. IX Seminário de pesquisa da região Sul. Caxias do Sul: ANPED SUL, 2012. Disponível em: < http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2012/Formacao_de_Professores/Trabalho/12_27_57_2938-7184-1-PB.pdf >, acessado em 07/04/2015.
FERRO, Marc. A manipulação da historia no ensino e nos meios de comunicação. São Paulo; Rio de Janeiro: IBRASA, 1983.
FERNANDES, José Ricardo Oriá. O livro didático e a pedagogia do cidadão: o papel do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no ensino de História. In: Saeculum: Revista de História, nº 13. João Pessoa: UFPB, 2005, p. 121 – 131.
HALL Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DPA; 2005.
JUNIOR, Osvaldo Rodrigues. Os manuais de didática da História e a constituição de uma epistemologia da didática da história. 154p. Dissertação – Instituto de Educação. Curitiba/PR, 2010.
OLIVA, Anderson Ribeiro.  A história africana nas escolas brasileiras. Entre o prescrito e o vivido, da legislação educacional aos olhares dos especialistas (1995-2006). Revista História. São Paulo, v. 146, n. 28, p. 143-172, 2009.
__________. A África não está em nós: A História africana no imaginário de estudantes do Recôncavo Baiano. Fronteiras. Dourados, v. 11, n. 20, p. 73-91, jul./dez. 2009.
__________. Lições sobre a África: Diálogos entre as representações dos africanos no imaginário Ocidental e o ensino da história da África no Mundo Atlântico (1990-2005). Tese (Doutorado em História) - Brasília: Universidade de Brasília, 2007.
PESAVENTO, Sandra J. Em Busca de uma outra história: Imaginando o imaginário. Revista Brasileira de História. São Paulo, vol. 15, n. 29, p. 9-27, 1995.
RIBEIRO, R. R. Livros Didáticos de História: trajetórias em movimento. In: RIBEIRO, R. R., CEREZER, O. M., JESUS, N. M. (Org.). Ensino de História: trajetórias em movimento. 1ed.Cáceres/MT: Editora da UNEMAT, 2007, v. p. 41-53.
SILVA, Jeferson Rodrigo da. Livro Didático como documento histórico: Possibilidades, questões e limites de abordagem. Revista de Teoria da História. Goiânia, ano 02, n. 05, p. 177-197, junho 2011.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
SILVA, Alexandra Lima da. Divulgar e recomendar: livros didáticos de História do Brasil na Revista Pedagógica. In: Ana Chrystina Venancio Mignot. (Org.). Pedagogium: símbolo da modernidade educacional republicana. 1ed.Rio de Janeiro: Quartet, 2013, v. 1, p. 197-212
SOUZA, Marina de Mello e. Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de História da África. Revista História Hoje. São Paulo, vol. 1, p. 17-28, 2012.
__________. História da África: um continente de possibilidades. In: ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo e GONTIJO, Rebeca (orgs.). A escrita da história escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009, p. 165-180.
MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. Tese de doutorado. São Paulo: PUC-SP, 1997.

Livros didáticos
MONTELLATO, Andréa Rodrigues Dias; CABRINI, Conceição Aparecida; CATELLI, Roberto Jr. História Temática. São Paulo: Scipione (quatro vols.).
MOTA, Myrian Becho; BRAIOK, Patrícia Ramos. História: Das Cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Moderna (quatro vols.).
PILETTI, Claudino; PILETTI, Nelson. História e vida integrada. São Paulo: Ática (quatro vols.).


PERGUNTAS

Boa tarde, penso que o objeto de estudo e o objetivo ficaram um pouco
distantes no texto. Só percebemos que se trata da História da África
nos livros didáticos após alguns parágrafos. Seria interessante deixar
o objeto aparecer no início do trabalho ou colocá-lo no título para
deixar claro ao leitor do que se quer comunicar. por Michele Metelski

Boa tarde, Michele,
A história e cultura africana e afro-brasileira aparece no texto, a fim de demonstrar uma face que os livros poderiam assumir na pesquisa. Trouxe os resultados da investigação feita nos anos de 2012-2013, que tinha como objetivo identificar as representações da história e cultura africana e afro-brasileira nos livros didáticos de História adotados nos anos finais do ensino fundamental do município de Rondonópolis-MT, após a promulgação da Lei 10.639/03. Nesse caso, o livro assumia, principalmente, a dimensão de fonte histórica. No mais, fico grato por seu pontuamento e farei algumas alterações para deixar mais claro o objeto e objetivo do texto para o leitor.
Att,
Amauri Junior


10 comentários:

  1. PERCORRENDO OS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA:
    APONTAMENTOS SOBRE SUAS DIMENSÕES E USOS NA PESQUISA HISTÓRICA
    Amauri Junior da Silva Santos
    UFMT

    1. Ao afirmar que os manuais didáticos ou livros são escritos “por e para alguém num determinado contexto histórico-social (...) bem como sua produção/distribuição também não é isenta de uma série de interesses políticos, sociais, ideológicos e econômicos do mercado editorial”, o autor não estaria fragilizando ainda mais o estudo da história, pois a cada época descobrimos que algum fato da história que nos foi contada na infância ou durante a fase escolar estava de acordo com o interesse da época e que agora (de acordo com o interesse desta época), tornou-se mentirosa ou uma inverdade? Como podemos confiar que a história contada hoje é a verídica e não aquela de outros tempos?

    Maria Izabel Nogueira – Campo Mourão

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Amauri Junior da Silva Santos13 de maio de 2015 às 07:37

      Olá, Maria Nogueira,
      Tudo bem?
      De início, gostaria de agradecer pela questão e pelo seu interesse pelo assunto. Penso que você suscitou, através da sua indagação, elementos importantes que nos possibilitam pensar não só a questão dos livros didáticos, mas, sobretudo, da própria teoria da história e o ensino de história. A fim de tornar a resposta mais clara e objetiva, optei por elencar dois elementos centrais que podemos desprender da sua fala.
      O primeiro diz respeito à fragilidade da escrita da história e sobre fatos históricos e como esses podem invalidar a historiografia produzida sobre determinado assunto; o segundo ponto, por sua vez, refere-se à noção de verdade histórica.
      Sua preocupação é se esses discursos produzidos em contextos histórico-sociais diferentes e sob uma teia de interesses políticos, ideológicos distintos poderiam invalidar (ou não) a escrita da história contida nos livros didáticos. Em primeiro lugar, devemos nos atentar para o fato de que o livro didático é um texto que contém teoria, metodologia e epistemologia, tal como um texto historiográfico. Aliás, o texto didático é um texto historiográfico, na medida que contém todos esses elementos supracitados. A diferença maior que se acentua entre um texto historiográfico acadêmico e um texto didático é a forma como este último vai ser escrito, vale, ainda, dizer que simplicidade/o tornar palatável um texto nem sempre traduz-se em insuficiência ou carência.
      Outro ponto: se chegamos até aqui considerando o texto didático como texto historiográfico, esse primeiro também será passível de releituras e, possivelmente, poderá ser reescrito à luz de novos fatos e teses que completarão as leituras vigentes. Desse modo, os textos são escritos por alguém e para um público, pois, assim como diz Certeau na Escrita da História, o lugar social de fala do historiador influenciará a sua escrita. A história não é acabada ou absolutamente verdadeira, essa afirmação é tão importante, ao passo que dela ecoa a resposta para suas indagações. Se a história não é acabada/absolutamente verdadeira, trata-se de uma constante guerra/construção de narrativas (usando a expressão de Laville 1999) e, por isso, a todo momento somos bombardeados por diferentes narrativas/perspectivas sobre um tema, o que não significa que o texto anterior invalidou-se ou é mentiroso, mas que apenas pôde ser complementado na medida que novas discussões feitas a partir de espaços, olhares e tempos diferentes foram incorporados a ele.
      Essa noção, de história sempre inacabada, é importante, pois nos dá elementos para o fazer histórico. Até porque se a história fosse feita de narrativas/textos já concluídos, sem necessidade de serem desconstruídos e reconstruídos, qual seria nossa função como historiador@s? O papel do historiador é vasculhar os temas já consagrados, questionar o dito "concluído" e nunca acreditar na verdade, pois dela atroa as maiores mentiras

      Excluir
  2. Sou: Marineide Correa de Camargo. estou participando do 1ª Simpósio Eletrônico Internacional do Ensino de Historia. Achei muito interessante o assunto: PERCORRENDO OS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA:
    APONTAMENTOS SOBRE SUAS DIMENSÕES E USOS NA PESQUISA HISTÓRICA
    Amauri Junior da Silva Santos UFMT
    Que veio de encontro com um estudo que fiz em 2012, PDE sobre a Cultura Afro Brasileira e uns dos motivos que levou ao estudo da presença da escravidão no Paraná é devido às poucas citações nos livros didáticos, em relação à importância das atividades exercidas pelos escravos no cotidiano da sociedade paranaense do século XIX.
    Outra questão é em relação às raras referências que destacam a presença do negro em terras paranaenses. Um dos maiores focos de estudo tem sido no nordeste, onde as obras apresentam contribuições dos negros para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Não há muita contribuição da historiografia paranaense ao estudo da escravidão negra no Paraná. Esse “silêncio” acaba induzindo os alunos, muitas vezes, a duvidar da presença da escravidão negra no Estado Paraná.
    Percebo que o livro didático é utilizado como cartilha, por isso ao ser utilizado em sala de aula tem que ser cautelosamente analisado e devemos tomar muito cuidado com as imagens utilizadas que aparecem preconceituosa.
    Apesar de todos os avanços ocorridos ainda faz se necessários todos os cuidados. As novas metodologias usadas nas aulas de história têm por objetivo levar o aluno a desenvolver um trabalho com fontes e documentos que procuram despertar interesse pela aprendizagem. Como o jornal não é uma fonte recorrentemente usada em sala de aula, ela vai ser utilizada para que o aluno reflita a partir de um conteúdo estudo sem necessariamente estar utilizando o conhecido livro didático. O aluno poderá fazer uma concepção histórico-dialética do passado, entender o presente e a partir daí construir seu próprio entendimento do passado por intermédio dessa fonte. Segundo Ferreira e Franco:

    As fontes podem ser de origem diversa e oferecer elementos diferentes e complementares sobre uma determinada experiência histórica. Embora, de uma maneira geral, todos os vestígios do passado possam se constituir em fontes para o historiador, nem todas tem a mesma qualidade, ou seja, dependem de um processo de critica que as classifica em termos de importância representatividade para as perguntas de historiador faz ao seu objeto de estudo (FERREIRA E FRANCO, 2009, p.63).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Amauri Junior da Silva Santos12 de maio de 2015 às 21:38

      Olá, Marineide Correa de Camargo,
      Tudo bem?
      Gostaria de agradecer o seu interesse sobre o assunto e externar meu desejo em ler a sua pesquisa, tenha visto que você aborda um tema importante e sob uma perspectiva que muito me chama atenção: o silêncio. O silenciamento, muitas vezes, tem mais a nos dizer do que o verbalizado. Através do silêncio podemos pensar: o porque da sua existência, quem silenciou, quem foi silenciado e como ocorreu esse silenciamento. Sobretudo, sua pesquisa recobre-se de maior pertinência na medida que você procura analisar essa questão nos livros didáticos.

      Excluir
  3. Por que muitas pessoas preferem fazer uma pesquisa eletrônica ao ler um livro mesmo sendo referente ao mesmo assunto?

    Sirlene Pio

    ResponderExcluir
  4. Ao afirmar que: “Assim, cremos que, ao estudar África, é necessário dispor de um caleidoscópio, para enxergá-la fragmentada e, assim, atentar para as especificidades históricas presentes em sua composição”, o autor não estaria pensando na quantidade de aulas que o professor de história dispõe em cada série para poder construir todo esse conhecimento, Estaria?
    .
    “Não compreender o continente de uma forma homogênea é a principal ideia que deveria ser acentuada nos livros didáticos, bem como frisar que África não é sinônimo de escravidão e miséria. Caso esses pequenos pontos fossem assinalados, provavelmente não teríamos as imagens distorcidas sobre o continente.” É muito comum termos idéias distorcidas sobre muita coisa e não somente sobre a África. Ou o Brasil também não tem sofrido o mesmo mal ao ser visto apenas como o país do samba e do futebol (divulgado até mesmo com orgulho por muitos brasileiros)?
    Joana d'Arc Conrado

    ResponderExcluir
  5. Nossos livros didáticos vieram retratando os negros, indígenas e minorias raciais como inferiores as demais raças humanas, nos textos e imagens esta população é apresentada em situações de submissão mediante as demais sociedades, com moradias rústicas, alimentação precária e rosto sofridos, como se sobrevivessem a uma guerra cuja derrota foi massacrante, sendo vistos como seres sem direitos, e sim só com seus deveres de cabeça baixa em direção ao solo, que adotaram como seus, ou outros cujo solo da qual dependiam foram aos poucos sendo retirados e obrigados a viverem em terras demarcadas.

    A reflexão trouxe a Lei 10.639/03 e da Lei 11.645/08 a ser reconhecida e colocadas em prática nas escolas e na sociedade e hoje já temos imagens mais reais nos livros didáticos, e também após estudos nas escolas foram aberta novas esperanças para mudanças deste cenário. O Colégio Estadual do Campo Gabriel Segundo Scipione-EFM do Município de Engenheiro Beltrão no ano de 2014 se empenhou como o projeto Multidisciplinar para o cumprimento da Leis em vigor, foram realizados trabalhos pelos professores com os alunos envolvendo a dança, pratos típicos, jogos, cartazes, mascaras que muito contribuiu para reconhecimento o valor cultural da raça negra.
    Tendo sido este o encerramento do projeto Multidisciplinar no 20 de novembro em comemoração a ao dia dia Nacional da consciência Negra.
    Sendo o livro didático uma ferramenta importante para a pesquisa, no entanto ainda aborda muito pouco para o devido reconhecimento da raça negra e indígena que tanto contribui para o desenvolvimento sócio-cultural em de nosso País. O que fazer para que haja uma nova abordagem nos livros didáticos?

    Vanda Reino, enviado no 13/05.

    ResponderExcluir
  6. Juraci Alves Miranda14 de maio de 2015 às 10:28

    Ao debater acerca do conceito de História produzido pelo Livro Didático, Bento (2001 e 2005) coloca que: “As narrativas são organizadas a partir de recortes já consagrados, as fontes históricas ganham caráter meramente ilustrativo e não são exploradas numa dimensão capaz de aproximar o aluno daquilo que preside o procedimento histórico...” Tal fato, percebido na leitura de seu trabalho, torna se mais evidente no que diz respeito as narrativas que abordam a Historia e Cultura do Continente Africano. Este fato aliado a falta de domínio do professor em romper com as formas tradicionais no ensino desta temática tem contribuído para o desinteresse dos alunos na sala de aula?
    Juraci Alves Miranda
    Referência Bibliográfica:
    LIVRO DIDÁTICO E HISTORIOGRAFIA: Um debate acerca do conceito de História produzido pelos livros didáticos, entre 2001 e 2005. Luiz Carlos Bento

    ResponderExcluir
  7. A obrigatoriedade da lei 10.639/03 e 11.645/08 trouxe a abordagem da História da África aos livros didáticos e também a produção de diversos materiais sobre o assunto. No entanto estes temas vem sendo abordados de forma fragmentada em relação a outros conteúdos. Como poderíamos trabalhar a História e cultura da África sem fragmentá-la em temas?

    ResponderExcluir
  8. Hoje se usa bastante a pesquisa eletrônica, mas o livro nunca deixará de ser o melhor meio de aprendizagem, pois o livro tem um forte potencial nas pesquisa e as vezes o Google não nos mostra algo que seja tão verdade igual o livro didático. por isso que tem que tomar certo cuidado ao fazer pesquisa em meios eletronicos.

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.